A ultima conversa


     Voltava para casa com uma dor de cabeça forte, alguma coisa eu comi que não me fez bem, além disso havia aqueles pensamentos, a maldição do erro, a perda da mulher amada, do convívio com os filhos. A tarde chuvosa avisava que haveria uma melancolia naquela noite, já separado de Eduarda há seis meses a dor da perda soava como morte, ela disse que não me amava mais, não suportava as ausências nem a minha forma irresponsável de levar a vida. Vivia sozinho em um apartamento de um quarto no centro, comia em restaurante e carreguei as minhas escalas no plantão noturno, fiquei surpreso quando o porteiro me entregou o telegrama.
         Ele me disse que era estranho um telegrama, na era da internet doutor, telegrama? Não queria falar nada mas também estava surpreso, era do professor Alberto, fazia mais de quinze anos que não o via, foi um dos bons amigos que tive na faculdade de medicina, ensinava bem, era articulado e me motivou, uma daquelas pessoas raras que se encontra na vida.
        “Passe no hospital central, tenho câncer de pâncreas e vou sofrer uma cirurgia daquelas!'Só isso , câncer de pâncreas, jeito ridículo de morrer logo para um gastroenterologista.
          O dia seguinte foi enfadonho, quatro cirurgias e uma dor de coluna, Madame Margarete e suas próteses de silicone, sua dor de coluna e muita solidão, falava sem parar e depois pagava uma consulta gorda, geralmente eu gastava tudo no mesmo dia, com álcool e comida. Desci a rua e entrei no hospital já perto das cinco da tarde, me identifiquei e subi até o primeiro andar.
         Professor tinha a mesma barba, estava magro, coberto com um lençol e de sorriso firme. Chamou-me no canto, conversamos com medo de entrar no assunto mais delicado, depois de muito rodear ele disse;
          “A filha da puta da morte me pegou aos sessenta, e o pior que eu nem bebi o suficiente, você pelo que contam no hospital anda bebendo pra caralho, quase perdeu a licença, vê se não joga fora a tua vida como fiz com a minha”. Aquela metralhada me encabulou e quase o assunto morreu ali, tive vontade de ir embora, ninguém gosta de escutar verdades assim na lata, mas a melancolia daqueles dias as palavras de Eduarda e todo o resto resolvi me resignar e tomar como lição, que não levaria a nada, naquele momento da minha vida o álcool era o único companheiro.
        Olhos duros, vencido pela expectativa da morte me veio um gosto amargo na boca, vendo pessoa que conhecemos morrer , pensamos na nossa morte, nunca me esqueço do meu pai no leito de morte, agora ali estava o Alberto, o pior é que já estava na terceira cirurgia, provavelmente não voltaria dessa ultima.
       “Não lhe chamei aqui para me lamentar, nem para passar sermão, é que no fundo pesamos em corrigir coisas nos outros que não conseguimos em nos mesmo, passei dessa fase de mestre protetor dos fracos, minha vida tá uma merda, chamei para pedir um favor”.
         Contou do filho dele, tal de Jonas e do drama de ter uma relação difícil, disse que o rapaz era bronco, parecido com a mãe, não queria estudar e nunca aceitou o rumo que Alberto tomou após o divorcio, Alberto assumiu a homossexualidade, então causou-se com um homem de nome Douglas, um professor de psicologia, que morreu anos depois em um acidente de carro. Alberto falava com faculdade, olhar perdido, assimétrico, com uma leve ptose na pálpebra esquerda, ele queria que fosse até Fortaleza e convencesse, pedisse para o cabeça dura, ele queria ter uma ultima conversa.
         Alberto pediu alto, fortaleza é longe, não tenho tanto dinheiro assim para pagar uma passagem de avião de Vitoria para fortaleza, fiquei calado , então ele me entregou umas passagens de avião, eu fui, afinal estava precisando de umas férias.
           A casa em que Jonas morava com a mãe era humilde, pobre mesmo, ela me recebeu com café, uma mulher corpulenta, de cabelos maltratados crespos, falava atropelando as palavras, mas tinha um tom gentil e hospitaleiro fiquei a vontade por alguns minutos, o fato é que ele chegou depois das nove da noite. O tempo passou e como sempre o meu humor mudou fiquei resmungando e já achava a mulher gorda e desgravidável, tinha um arrepios com o habito dela de limpar o nariz constantemente.
          O rapaz era baixo, cabeça redonda e olhar perdido, me deu a mão calejada, mas o seu aperto de mão era fraco.
         Contei de Alberto, todo o drama do câncer de como gostava do professor e do tanto de médicos que ele havia ajudado a formar, fiquei empolgado, quase saiu lagrimas dos meus olhos, o rapaz balança a cabeça enquanto ouvia a minha baboseira, então ficou de pé e ele disse que queria falar com o pai, fiquei satisfeito, então ele completou, depois de morto na frente de um tumulo , que ele apodrecesse no chão, pois Jonas aos berros disse que nem se lembrava do famoso professor, trabalhava de padeiro, gostava de fazer pão, nunca recebeu, um centavo, uma visita, nem mesmo uma carta, se como professor ele era um gênio, como pai era um bosta , Jonas disse que não ligava para como Alberto ia morrer, contanto que morresse, fiquei com uma tremenda cara de besta, como um intruso, olhei para a mulher, então ela fungou o nariz e riu.
          Ele está morrendo, eu disse, mas Jonas me apontou a porta e pediu que eu também esquecesse aquele endereço..
Inútil, não argumentei mais, desisti e fui embora, fiquei no hotel imaginando como era possível o professor ser duas pessoas tão diferentes , um Alberto que foi meu professor de semiologia e o outro o pai. Bebi vodca a noite toda e acordei cinco horas depois que meu avião havia partido, tive que desembolsar o dinheiro da passagem de volta
          Alberto morreu naquela cirurgia, eu voltei a minha rotina infeliz sem Eduarda.

 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 06/06/2015
Reeditado em 06/06/2015
Código do texto: T5268572
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