820-ARGEMIRO ARAGÃO - 1a. parte

PARTE 1 – Nascimento e meninice de Argemiro

Argemiro Aragão era um gigante. Homem feito tinha mais de dois metros de altura, abaixava-se sempre que passava pelas portas ou pela entrada da senzala, aonde ia constantemente procurar as escravas mais jeitosas. Parecia ser um homem quadrado, tanto era alto como largo e corpulento. O corpanzil elefantino descansava-o na cadeira especial reforçada que o pai mandara fazer, após o filho ter desconjuntado diversas da mobília da casa da fazenda de Jatobá.

Ao nascer matou a mãe, que não resistiu ao trauma de parir uma criança de tal envergadura, recebido pelas mãos hábeis da velha Zuleica, escrava alforriada que atendia a quantos partos aconteciam na fazenda, entre as escravas, e em toda a região, não tendo, até o nascimento de Argemiro, o desgosto de ver morrer nenhuma criança ou mulher parida sob seus cuidados, que incluíam a própria pericia de ajudar no parto e infusões e banhos de fortes ervas só por ela conhecidas, mais o resguardo de quarenta dias em quarto fechado, caldos de galinha engrossado com tutano de boi e gordura de mocotó.

Sobreviveu o menino aleitado por duas escravas que haviam também parido por aquela ocasião que repartiram o leite de intumescidos seios entre os próprios bebês e o filho de Herculano Aragão, o maior proprietário e mais importante fazendeiro das montanhas da província. Voraz desde as primeiras horas de vida deixava pouco alimento pra os seus irmãos de leite, que, diferente de Argemiro, cresceram raquíticos e sem forças para o trabalho escravo.

Foi o primeiro filho de numerosa irmandade, pois o pai, embora sentindo a morte de Maria Das Dores, não demorou em se casar de novo, tão logo cessado o luto. Homem de ação, na força de sua macheza, sem meias-medidas nem meio-falar, arranjou a segunda esposa, apesar do temor que passou a inspirar como marido, pois correu mundo o comentário que, para gerar tal filho, tinha uma verga descomunal. Casou-se, enfim, com Carmela, num casamento arranjado com Coronel Serapião Gambeta, manco por força de ferimento na guerra do Paraguai,

Argemiro foi deixado, no período de viuvez do pai, aos cuidados das amas de leite. E quando o pai casou de novo, o apego com elas era grande. Vivia engatinhando e depois, dando os primeiros passos, na senzala, entre os negrinhos e alguns mulatinhos das escravas. Ali cresceu, enquanto o pai emprenhava por diversas vezes a madrasta Carmela, gerando irmãs e irmãos para o pequeno esquecido. Numa sequência anual, nasceram três meninas (Adalgisa, Edalina e Odamira, chamadas de Ada, Eda e Oda) e mais quatro irmãos de nomes tão arrevesados quanto às meninas, (Salustiano, Emeredeno, Gesusuino e Garauno) antes que Carmela morresse de um tombo na escada da frente da imponente casa senhorial da fazenda.

Criado na senzala, longe do convívio dos irmãos, Argemiro foi percebendo e assimilando a carga de ódio dos escravos contra o pai. Aos doze anos, quando morreu a madrasta, era um rapagão que passava por homem feito, não fora o rosto imberbe com ar infantil.

Os cavalos eram sua paixão e desde menino. Frequentava as baias de criação de cavalos, montava com perícia e gostava dos animais mais perigosos. Escolhia os potros mais arredios, com os quais tinha paciência, habilidade e segurança, pois suas longas pernas abraçavam o corpo dos animais e as mãos seguravam firmes nas crinas e não havia saltos ou coices, relinchos ou manhas que alijassem Argemiro do dorso da montaria

— Esse minino vai ser domadô dos bão! — Dizia Bastião Banguela, o encarregado dos currais e de domar os animais rebeldes.

A criação dos sete filhos de Herculano com Carmela foi deixada a cargo das mucamas que cuidavam da casa-sede da fazenda. Soltos e largados, já que o pai estava sempre ausente, nas lidas da fazenda ou na cidade, entre negócios, mesas de jogo e visitas aleatórias à casa de Amélia Peituda, cafetina das putas da Rua dos Carros, assim chamada devido ao tamanho imensurável de suas tetas.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 23 de janeiro de 2014

Conto # 820 da Série Milistórias

a seguir: conto 821

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 08/06/2015
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