"Um Inconformado" = Da Série "Histórias de Amor Safado"

A voz do metroviário anunciava a estação Liberdade quando um casal mudou de lugar e o homem sentou-se ao meu lado, enquanto a moça sentava-se à minha frente e alegrava meus olhos mostrando um belo par de pernas mal cobertas por uma saia minúscula.
Sem mais nem menos, o homem virou-se para mim e perguntou:
- O senhor conhece bicho mais falso que mulher?
Que diabo…Eu nem havia olhado pra cara dele e o camarada já começa falando besteira. Fingi que não era comigo e ele me deu uma cutucada com o cotovelo.
- Ei, amigo, estou falando com você.
Aí eu me esquentei.
- E porquê você está falando comigo? Por acaso já nos conhecemos? Quem te deu liberdade de me chamar de você?
- Também não precisa ficar bravo. Eu só quis puxar conversa.
- Vá puxar conversa com outro. Pra quem já começa falando mal de mulher eu não dou papo não.
A moça olhava pra mim e ria silenciosamente. Perguntei então a ela, por sinais, se o cara era doidão e ela fez que sim. Tremenda sorte que eu tenho pra atrair malucos…
- O senhor não me respondeu: conhece ou não conhece bicho mais falso que mulher?
- É pesquisa que o senhor está fazendo?
- É. Digamos que seja. É uma pesquisa de um chifrudo, de um desgraçado, de um cão danado que se casou com aquela peça ali que o senhor tá vendo na sua frente. Maior vagabunda, meu amigo.
- Que coisa feia, cara…Lavar roupa suja em público, dentro do metrô, com gente que o senhor nunca viu antes. Pelo jeito tá merecendo mesmo um bom par de chifres.
- Ainda se fosse só um par…
A essa altura eu já estava segurando o riso e fingindo que levava a conversa a sério.
- São muitos chifres?
- Pô…Nem queira saber…Essa desgraçada já deu pra todo mundo da minha rua.
A mulher ria e balançava a cabeça.
- Então porquê você não manda ela embora? Põe na rua, amigo.
- A casa é dela. Quem tem que sair sou eu. Mas tudo que tem de bom e de melhor lá dentro fui em que comprei.
- Então saia da casa e leve suas coisas. Não é melhor cada um viver sua própria vida?
- E eu agüento ficar longe dessa fia-de-uma-puta?- falava e apontava para a moça um dedo acusador.
- Aí é um problema sério.
- Eu já matei três amantes dela. Isso só no mês passado. Sem contar os outros, os de antes.
- Pô! E não está preso ainda?
- Tenho bons advogados. Gasto um dinheirão com eles mas fico livre.
- E como é que o senhor mata os amantes dela?
- Dois foram na faca e o outro no tiro. Um tiro só no meio da testa. Ele tava peladão com ela na cama e levou o maior susto quando viu minha 12 apontada pra ele. Não teve tempo de dizer um a. Os dois primeiros eu sangrei pela garganta e enterrei no quintal lá de casa. Maior trabalhão. Olha só o jeitão da vagabunda me encarando. Quem vê assim pensa que ela não tem culpa nenhuma no cartório.
Olha só o fio da minha faca. Isso corta até pensamento.- tirou uma faca enorme do bolso do paletó e quis colocá-la em minha mão.
- Sente o fio, sente só o fio da bitela Vê se não é mesmo coisa de primeira.
A voz do metroviário anunciou a estação Praça da Árvore e a moça à nossa frente levantou-se e esperou que a porta se abrisse. O homem ao meu lado continuou sentado. Estranhando o fato, perguntei se ele não a acompanharia.
- Não. Vou descer na próxima estação.
A moça saiu do metrô e outra mulher ocupou o lugar dela. Mais velha, feiosa, mal vestida, a mulher pegou uma revista e pôs-se a ler.
- Tá vendo o jeito da fingida? Agora pega uma revista e fica lendo, fingindo que nem é com ela o assunto.
- Mas aquela ali é outra mulher, meu amigo.
- Já vi que tô lidando com doido…Será que não conheço minha mulher, cara? Mas me diga, o senhor conhece bicho mais falso que mulher? O senhor ainda não me respondeu.
Na próxima estação continuei sentado como se fosse seguir viagem, mas quando a porta já estava pra ser fechada saí numa arrancada só e deixei o maluco sozinho. Eu, hein? De doido eu quero é distância…Ainda mais de doido com faca afiada…

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 15/06/2007
Reeditado em 20/06/2007
Código do texto: T527695
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