844-ZÉ PINA QUINTAIS CAPINA

ZÉ PINA CAPINA QUINTAIS

PARTE 4 DO conto # 10 – Gente Fina é outra coisa

Vivia de limpar quintais, capinar lotes vagos, serviços exercidos com rapidez e cuidado. Isso lhe deu o apelido de Zé Capina, que, como todo apelido, simplificou-se para Zé Pina.

No seu mister não tinha concorrente. Era o primeiro e único, mesmo porque não tinha capacidade para aprender outro serviço. Era simples, sem ser beócio nem retardado. Simples. Inocente. Sem malícia. E como tinha que trabalhar pra viver, vivia da única coisa que sabia fazer: capinar.

Sendo manso e cordato, tinha lá seus dias de azedume. Então, era melhor não falar com Zé Pina. E foi num dia desses que se deu o causo com o Luiz Santos.

- Zé Pina, por favor, vem capinar o quintal, tá precisando duma limpeza – pediu Dona Glória, esposa do Luiz Santos, mulher da alta sociedade, educadíssima, finíssima no trato com as pessoas, etcetera e tal.

Isso foi numa terça feira, Zé Pina passava apressado, enxada no ombro, rumo à sua tarefa.

- Vou depois que acabar o serviço na casa do Alfredo Elias – prometeu solícito Zé Pina. – Pode esperar.

Na quinta feira, Zé Pina tocou a campainha da casa do Luiz Santos.

- Dona Glória, é o Zé Pina, diz que veio limpar o quintal.- Atende a empregada , dá o recado à patroa.

- Manda ele entrar pelo portão do lado, Mariana. Dá um cafezinho pra ele antes de começar o serviço.

O enorme quintal da casa estava mesmo precisando de uma limpeza. Cacos de tijolos, latas vazias, muito capim pelas beiradas, alguns canteiros de flores para serem refeitos.

Zé Pina ataca o serviço. Capina, ajunta o mato, amontoa as pedras, as latas, os cacos de vidro.

De repente, lembra.

- Diacho, nem combinei o preço.

E como estava num de seus dias azedos, foi prosseguindo nos seus pensamentos.

- Quando acabar, ela vai achar caro o serviço. Esse pessoal rico é sempre assim. Vive explorando a gente. Periga até ela num me pagar, deixar pra depois. – Zé Pina resmungou para Mariana , enquanto mexia seu prato de comida na hora do almoço.

- Dona Glória é gente fina – tranqüiliza Mariana – Que nem o marido, Dr. Luiz. Ela vai pagar direitinho.

Zé Pina pensa diferente, está convencido de que vai ser tungado.

Como afirmou Mariana, Dona Glória e Dr. Luiz são gente de primeira classe. Ela freqüenta a alta sociedade, tem passatempos chiques: pintura, música. Ele é alto comerciante, representante de firma exportadora de café, faz altas transações, mantém negócios e amizades com o melhor da sociedade local. Íntimo de fazendeiros e banqueiros, correto, cumpre o combinado e faz questão de ser pontual.

Zé Pina, simples e simplório, pouco ou nada sabe a esse respeito. Vai estendendo e aumentando o amargo de suas idéias, remoendo seus pensamentos, vai ser enganado, passado pra trás.

E trabalha que trabalha. Às três da tarde, o serviço terminado, avisa:

- Diz pra Dona Glória que já acabei o serviço. E é 10 cruzeiros.

Mariana sobe as escadas, fala com D. Glória no seu quarto, e desce:

- Dona Glória diz pra você ir até no escritório do Dr.Luiz, ali na praça da Matriz. Ele vai lhe pagar.

Pronto ! Eu tava certo. Vai vê, ele nem tá no escritório. Se tiver, num vai me pagar assim, vai querer ver o serviço que eu fiz, fica pra depois, sei como é esse pessoal. Cada vez mais amargo, pensa Zé Pina.

Sai, procura o dr. Luiz.

- O Dr.Luiz saiu, deve estar no Banco da Lavoura – explica a secretária – É qualquer assunto que eu possa resolver?

- Não, é comigo e ele.

Ríspido e já sentindo o prejuízo, sai Zé Pina do escritório.

Dirige-se para o Banco da Lavoura. Na porta do Banco, numa roda de amigos, está o Dr. Luiz. Falam de negócios, altos negócios. Aproxima-se do círculo dos homens respeitáveis, Zé Pina pensa nos 10 cruzeiros, em D. Glória que não lhe quis pagar, e se intromete:

- Quero fala com o senhor, Dr. Luiz. Vim recebê os 10 cruzeiros pela limpa do seu quintar.

E dirigindo-se para os demais :

-Esse é home bão. Correto e batuta, ceis pode confiá nele. Mais a muié dele, a tar de Dona Glória, ô muié safada !

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 5.02.2000

Conto # 844 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/07/2015
Código do texto: T5318355
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