O estranho na biblioteca

Um vulto cruza a porta. É puído, borrado, naturalmente desfocado, como se não comportasse em si um olhar preciso - e ainda assim alvo de olhares incomodados.

Com passos inexatos perambula entre as estantes, corre o olhar pelas prateleiras. Imagina-se uma busca, um critério de escolha, um livro em especial.

O que procura?

Mas os olhos são vítreos, as mãos hesitantes e trêmulas, e a cena inspira vaguidão.

Da longa fileira retira um livro. Balbucia algo, talvez consigo, talvez para ninguém. Uma breve chama é percebida, como se finalmente uma procura intensa fosse concluída e houvesse um justo segundo de júbilo. Quase divisa-se um sorriso nos lábios afrouxados pelos anos.

Em nova jornada trôpega, o vulto mira a mesa mais próxima. Sentado, folheia o livro como se fosse o primeiro de sua vida. Há respeito, há descoberta, há dúvida.

O silêncio amarelado subitamente lhe serve de evidente abrigo. Aquelas linhas todas, mesmo as mais complicadas, lhe servem de passatempo. E há tanto tempo por aí para ser passado.

Mas lentamente, numa perfídia habitual, há o desvanecimento traiçoeiro. Tudo, aos poucos, começa a escapar com os segundos que se diluem, confusos, na dissipação dos instantes. Uma palavra, uma frase, um parágrafo que evapora para o nunca mais.

A cabeça, já tantas vezes derrotada, pouco luta e logo pende para a frente. O pescoço estica-se, fica teso, e faz sumir os menores dos grandes vales secos e enrugados que sobem das costas. Os braços, apoiados à mesa, fazem o peso sobre o livro aberto em nunca lidas páginas. Fechados, os olhos inspiram mistérios vividos, um cansaço nunca descontado e furiosamente impresso na pele.

Por um instante duvida-se: ainda vive? O suave expandir, um quase imperceptível subir e descer do peito, revela que a vida insiste, apesar de tudo.

E o velho, dormindo, imóvel como se esperasse a última imobilidade, ainda exala qualquer coisa azeda. Ainda é a presença desconfortável. É o vulto puído, borrado, incerto, impreciso, trêmulo em tudo, inconvenientemente perto do desconhecido, fragilmente vencido e curvado sob um livro. Continua sendo o velho que inspira repulsa nos alunos em suas risonhas pesquisas, chafurdados em cadernos em branco, e que de solidão nada sabem.