Quinta-feira.

O carro branco passa a lombada e reduz a velocidade, eu caminho no sentido contrário mas do mesmo lado da rua que o carro. Branco. Quatro portas. Apenas com o motorista. Que usa óculos. Jovem. Talvez uns 29 anos. Eu o reconheço quando ele pergunta:

"Moça, você trabalha na Sadia?"

(O pensamento é instantâneo, vem a mil. Primeiro penso que a empresa, não se chama Sadia e sim, Brasil Foods - BRF; Depois tento me lembrar o nome da criatura e o motivo da pergunta.)

Respondo:

"Não."

Continuo andando, falta pouco para estar em casa. Penso no carro. Branco. Na pergunta. Estranha. Será que ele não lembra de mim?

Tivemos contato profissional, talvez a um ano atrás. Já conversamos algumas vezes. Maicon. Maiquel. Rafael. Não sei, não consigo lembrar.

Não, Maiquel não. Talvez Rafael. Estranho. Sempre estranho. Parece que enxerga mal mesmo com o óculos, sempre faz umas caretas ao observar as coisas. Divago.

Ouço um carro.

Branco.

Me seguindo.

Virando a esquina, estou na rua de casa. Sem saída.

Dentro da bolsa a panela de pressão. Que pesa.

Estou gripada, me sentindo mal, desconfortável.

Estou cansada. Com dor de ouvido. Com dor de cabeça.

O que será que ele quer?

Fico irritada. Sigo caminhando no mesmo passo. Um. Dois. Um. Dois.

Eu não trabalho na ~Sadia~. Na BRF. Ou na puta que pariu.

Ele realmente não lembra que eu sei quem ele é.

O que ele quer?

O carro para ao meu lado.

Ele sorri, faz aquela pose ridícula de "tenho um carro bacana e estou sozinho".

Pergunta:

"Você mora nessa rua?"

(São 23:30h, a chuva cessou. Faz frio. Nesse bairro, a maioria dorme cedo. Nessa cidade, a maioria dorme cedo. Não é final de semana. Não há pessoas pelas ruas. Há carros, mas poucos. Ninguém precisa de informação numa rua sem saída, ainda mais ele. Que mora por perto, que mora há anos nessa cidade. Que já nem sabe quem eu sou. Que já me abordou. Que já não ajudei. Que só quero chegar em casa.)

Respondo:

"Você precisa de alguma informação útil?"

Ele quase gagueja, não tem mais pose. O carro continua ligado.

"Não..."

"Posso ir para minha casa?"

"Pode..."

"Obrigada."

Eu caminho sem olhar para trás, ouço que o carro demora para se afastar. Por um instante pensei em sentir medo. Desisto.

Inacreditáveis, são as pessoas.

Taie
Enviado por Taie em 11/09/2015
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