Jamais foi vingança, diz Carolina

De todos os homens a diferença dele era que só tinha olhos para mim.

Uma espécie de devoção que ia além da paixão ou do respeito.

Não importava se outras mulheres atraentes ou até estranhas se aproximassem, absolutamente nada tirava os olhos dele de mim.

Algumas vezes ele foi questionado se não achava exagero aquilo, mas o fato é que ele sabia que eu gostava de ser tratada daquela forma, assim como a maioria das mulheres gosta.

Toda mulher quer ser o centro das atenções de seu homem, como também toda mulher sabe o quanto é azedo o sabor de saber que outra atraiu os olhares que deveriam ser só seus.

E ele sabia disso, tanto que não fazia distinção entre os "olhares curiosos, olhares avaliativos, olhares furtivos ou olhares por olhar". Estava comigo e pronto.

E eu me sentia ótima. Uma espécie de rainha. Uma mulher de sorte ou simplesmente a mais especial do planeta.

Em contrapartida, eu também gostava de agradá-lo. Se antes, ternos e tatuagens me chamavam atenção, agora eu só tinha olhos para o que realmente fazia sentido: Ele.

E assim se deu o relacionamento. Uma "coisa quase doentia" como muitos diziam. Uma espécie de dependência que beirava a insanidade. Mas nada disso me afetava, nem a ele. Estávamos cada vez mais envolvidos e por mais que ouvíssemos críticas, a relação era tão boa que superava qualquer coisa.

Nas horas de folga tudo o que eu fazia era procurar formas de agradá-lo: roupas, perfumes, jantares, vinhos. Queria ser a melhor para ele, simplesmente porque ele merecia e porque também fazia de mim uma mulher incrivelmente melhor.

Um dia, porém, os olhos mudaram. Os meus depois dos dele. Olhadelas disfarçadas, avaliações rápidas, mudanças de expressão.

Meus amigos diziam que eu estava surtando. Uma obsessão tola de mulher ciumenta. "Todo mundo olha, é normal. Não significa que ele queira trair você".

Pensei muito sobre estas conversas e mesmo me convencendo que traição de fato não tivesse havido, algo tinha mudado. Eu já não confiava nele. Já não era tão especial para mim. E se antes o relacionamento era uma paixão infinita de entregas, agora caía no esforço de tentar superar os defeitos que apareciam.

Eu também mudei. A princípio devagar, mas, à medida que as explicações vinham com frases do tipo "eu não fiz, você está ficando doida...", eu deixei de lado qualquer vontade de tentar conversar.

Ora, se me desagradava e estava falando, mesmo estando errada, a atitude correta não seria me chamar de doida. Eu queria ser ouvida, dizer como me sentia, tentar fazer dar certo.

Um dia estávamos no mercado, ele escolhendo maçãs enquanto eu buscava sabão. Como não sabia a marca voltei para perguntar, mas parei assim que vi uma mulher perto dele. Entre uma maçã e outra ele a olhava.

A mulher percebeu que estava sendo avaliada e deu um sorriso. Ele continuou pegando as maçãs, mas também sorriu.

Fiquei parada observando a cena em silêncio.

De volta para casa, me senti muito mal. Primeiro, porque não deveria ser a primeira vez que ele fazia aquilo e estava comigo... fiquei imaginando o que fazia quando estava sozinho. Segundo, porque algo estava definitivamente errado.

Quando perguntei quem era mulher para quem ele sorriu, ele me olhou com a expressão típica que tinha quando era pego e negou, é claro.

Fiquei calada. Não tinha mais vontade de falar ou discutir.

Muitos meses depois, ainda ouvi que eu tinha exagerado, que não passava de ciúme, que ele era um cara legal e eu tinha que ver as outras qualidades.

Ouvi e pesei tudo isso. Jamais voltei a comprar uma roupa para usar apenas para ele. Jamais voltei a me sentir infantil e tola me julgando especial.

Aprendi a ser madura, a ser forte e achar que olhar outras pessoas é perfeitamente normal. Não são olhares de desejo, nem de avaliação, são, bem... apenas olhares.

Com eles, conheci muita gente, inclusive um homem muito interessante enquanto eu também comprava maçãs.

As maçãs, portanto, devem ter alguma espécie de magia.

Hoje ainda estamos juntos. Ele não notou ou se notou não comentou que as coisas mudaram.

Eu já não falo mais, apenas o observo em suas atitudes patéticas achando que eu não vejo.

Continuamos nossa vida.

Eu, uma aluna aplicada, respondendo a olhares de homens tolos como ele e obviamente treinando os meus próprios métodos.

É vingança? Claro que não!

E traição? Imagina, são apenas olhares bobos; alguns para homens já velhos, outros para os que ainda estão na fase de ter olhos apenas para suas mulheres e outros ainda, para aqueles que querem trocar olhares "inocentes" com mulheres como eu.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 15/09/2015
Reeditado em 15/09/2015
Código do texto: T5382790
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