Remédios para dormir

A ilusão era desnecessária.

Os frascos possuíam várias cores, várias formas com diversos efeitos, cada um para um motivo diferente, cada um com uma palavra diferente. Suas bulas com letrinhas tão miúdas que me faziam ignorar cada vez mais aqueles textos sem nexo. Formas estranhas para escrever coisas tão óbvias. Contraindicação, eu sei que elas dão impotência, eu sei que elas fazem o cabelo cair. Eu sei, em sua maioria são para transtornos tão repulsivos que nem coragem eu tenho de ler para o que servem.

As pílulas vermelhas são para sono leve.

Tenho uma pasta no meu computador com diversos contos não terminados. Muitas histórias tristes de um passado não contínuo. Medos e manias, demônios dentro de mim que tento expurgar através da escrita, da literatura e da dor que sinto ao por no papel minhas dores. Demônios dentro de garrafas, loucuras de um adolescente tão pequeno, tão insolente que dá até vergonha de se traduzir isto ao mundo real. A maioria pela metade, que trás minha péssima mania de nunca terminar o que comecei. A maioria com filosofias tão abrasivas, com pensamentos tão pequenos, com histórias tão sem sentido. Personagens falhos com atos falhos, mulheres sedutoras e feias procurando problemas, padrões em coisas da vida. Pais de família tentando voltar para casa em meio a turbulências.Livros dos quais nunca passaram do quinto capítulo.

As pílulas azuis trazem bons sonhos.

Dizem que por detrás dos sonhos existem os medos e as angústias do que nós somos. Nosso subconsciente tenta dizer através de mensagem cifrada para nosso consciente o quão loucos somos. Existem aqueles que sonham com eventos que ainda não aconteceram e outros que desejam que tais coisas aconteçam no tecido da realidade. Sonhamos, sonhar, sonharei. Sonhar é algo tão divino que existia um deus grego específico para tal coisa.

Morfeu era o nome dele.

Sonhar é uma ciência obtusa sobre o autoconhecimento temerário. Eu sonho sempre que durmo, mas nem sempre quero aco rdar do sonho. Ele me esquenta, me agrada, me faz pintar quadros, me faz escrever os contos dos quais mantive em segredo (ou pleno esquecimento) dentro de uma pasta perdida no HD do meu computador. Aquela pasta que estava escrito “abrir em uma data futura” e o dia é hoje. Quero saber o que eu sonhei quando criança, Quero saber quais são os fracassos que respondem minhas respostas mais ilógicas.

Três horas da manhã.

Sonhos dos quais esqueço ao acordar.

O cérebro é o palco da ilusão profunda e sábia. A sapiência dos antigos na vida urbana caótica. Sempre haverá uma buzina no meio da noite que me acordará com as preocupações do dia a dia. Sempre haverá uma conta para pagar, uma lei a cumprir, filhos para fazer. Preciso ser o herói desta gente, preciso ser o responsável por uma nova religião. O novo autor comparado com o que morreu. O filho da dor do parto.

As pílula verdes te matam.

Serei lembrado como um mártir de uma causa perdida. Ninguém que sobrevive a própria revolução será lembrado. Jogo me com toneladas de explosivos nos mitos antigos, nos arquétipos Junguianos. Serei o símbolo de uma nova seita pagã, criarei uma nova filosofia com minhas sábias ideias. Terei a salvação para os loucos, realizarei casamentos de gays, lésbicas e simpatizantes.

Serei um idiota.

Um viciado.

Um merda.

Engordei na melhor fase da minha vida.

Perdi meu cabelo na melhor fase da minha vida.

Morri aos vinte sete, que medíocre.

M.E.D.I.O.C.R.E.

Quero transitar na serenidade de morrer de forma trágica igual os antigos escritores românticos. Quero que encontrem o meu corpo pútrido e fétido após uma overdose de ideias malucas e suicidas. Ler no jornal que o escritor morreu de ócio, medo ou de excesso de remédios para dormir.

Dormirei e deixarei passar o tempo com minha única chance. Dormirei no parto por ser egoísta o bastante para dividir minhas ideias com quem amo. Dormirei pois, nos meus sonhos, sou loiro e tenho os olhos azuis. Gritarei para quem quer ouvir. Farei discursos de ódio, cheio de preconceito para que as pessoas me odeiem, quero que falem mal, mas que falem de mim. Matarei milhões de uma minoria para me sentir superior a quem é superior a mim. Serei rebatizado como um verme, negarei Cristo três vezes seguidas no dia de páscoa. Riscarei a Mona Lisa, me tornarei presidente dos Estados Unidos apenas para apertar aquele botãozinho vermelho e ver os mísseis nucleares transformarem o mundo em um estacionamento.

As pílulas amarelas te fazem acordar.

Destruir um mundo ao nascer e reinventa-lo. Aqueles textos inacabados desde o tempo de minha adolescência me condenam. Julgam-me, mostram-me o quanto eu mudei em tão pouco tempo. São reflexos do que eu era, do que eu fui e o que há muito eu deixei de ser. São memórias de sonhos antigos, de pensamentos antigos.

Eu achei minha primeira poesia e não era sobre amor.

Ler meus contos antigos me lembrou dos tempos difíceis que já se foram.

Quais tempos? Depois eu digo.

Direi quando acordar, direi quando quiser. A verdade éessa, não me importo com o que irá pensar (mentira), não ligo para suas críticas (mentira). No meu íntimo há uma tormenta, uma chuva indecente e inocente.

Deixei um dia a verdade.

Tomei meu remédio e deitei.

Amanhece.

Sossego o meu anoitecer.