Quinta-feira.

Já estava acostumado, com a transição do tempo na saída do trabalho, desde o céu ainda limpo, sem quaisquer sinal hemorrágico da anoitecer, na aurora vespertina, até o manto espesso da noite, como camadas de pinche no céu, antes aberto.

Seguia com a leitura no ônibus, a fim de se distrair durante a viagem, tirar um pouco a desconfiança, pelas pessoas ao redor e evitar, o contato com pessoas conhecidas, para ele, somente transeuntes, que um dia cometeu o erro, de cumprimentar, conversar, ou, mesmo desejar, "saúde", depois de um espirro, começava a ler assim que se punha a esperar pelo ônibus, até o ponto de sua descida, muitas vezes, misturado com um sono pesado, se misturava em piscadelas rápidas, criando cenas e sonhos e todos os tipos de imagens, isso fazia com que ele se perde-se durante a leitura, mas até que achava divertido, mesmo mantendo o rosto inexpressivo.

Hoje resolveu descer no ponto final, achou conveniente comprar pão para a manhã seguinte, mesmo sendo um tanto desagradável para ele, pois, o ponto final de seu trajeto, não era um dos melhores lugares do bairro, para se frequentar, ainda mais a noite, é pouco iluminado, com muitos pontos de visão limitada onde nem uma luz, mergulha fundo na-quele breu dos becos, pessoas te olhando de canto, como se quisessem insinuar algo, ele sabe muito bem, pois convive há muito tempo naquelas redondezas, de fato, ele mora na rua debaixo e assim, se segue...

-Boa noite, por favor, me vê dez pães de sal!!

-Dez pão?!

-Isso, dez "pães", por favor!

-Aqui está, é três e cinquenta.

Pegou, pagou e seguiu, tinha duas rotas para casa, um era como uma volta tremenda, desnecessária, optando pelos simples fato de ter mais luz, mais pedestres e mais movimento, mesmo durante a noite e outro, era um mergulho num ar lúgubre, de uma quietude agonizante e uma falta de iluminação suspeita, "porque, sempre tem pouca luz, nos lugares mais suspeitos?"; deve ser apenas um conceito injusto, quem sabe seja apenas o acaso, merdas acontecem, Quase que convencido pelos argumentos do cansaço, dores corporais e um mau humor, já costumeiro para todos envolto dele, resolve mergulhar no mar de pinche.

Desce a rua silenciosamente, afinal, se a rua é rodeada por um silêncio rastejante e noturno, quem seria ele, para se atrever a mudar isso de alguma forma. Usando a posição das luzes do poste, para ver o movimento das sombras em suas costas e por cima dos ombros, ouvindo o barulho dos passos, carros barulhentos e motos, resgando a rua, como se fossem cavaleiros do apocalipse, e os sons dos bares, da padaria, e de tudo mais se afastando, pareciam ser sufocados pela atmosfera, quase inruídosa.

Na entrada da viela, sempre para para olhar em volta, ouvir em volta, todo o cuidado é pouco, era uma viela muito antiga, suas coordenadas, seguiam-se como um mapa, "direita, esquerda, em frente, esquerda, esquerda e pronto"; fora, as entradas , que poucos conheciam, ou tinham coragem de usa-las, não se lembre se algum dia o fez, mas, não faria diferença alguma saber disso, apenas seguia em frente. Um cheiro ruim se segue na viela, fezes de animais, cheiro de lixo, um leve odor de carniça, que mesmo leve, você sabe, que o corpo não está longe, um cheiro já habitual de maconha, sempre hesita em dizer, qual cheiro lhe incomoda mais, porém, imagina, que aquilo faz parte d'um todo, da obra completa. Os cães latem, chamando atenção, para o intruso, cheiro novo na área, um alarde canino, uma fanfarra de latidos e rosnados, o que faz-lhe manter um desapreço por cães.

A travessia da viela, não se estende, e logo ele está em sua rua, se sente um pouco mais aliviado; não é menos perigoso, porém, é conhecido pela maioria dos vizinhos, faz dele um morador tradicional da região, segue de queixo erguido por cada rua que passa, tem receio por determinados lugares, mas, sempre segue, de queixo alto, um nariz empinado e um olhar atravessado, imponente, considerando o bairro em que mora, não sei como, ainda está vivo.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 24/11/2015
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T5459351
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