DONA QUINOCA

Logo que fiz quinze anos, resolvi morar no interior do estado, fazendo o caminho inverso do que fizeram meus pais. Fui morar na cidade onde eles nasceram a convite de alguns amigos e, também, de meus padrinhos. Era uma cidade pequena, mas com muitas atividades (ou eu era muito ativo). Conheci muitas pessoas e fiz muitas amizades, mas é sobre uma delas, em especial, que vou escrever agora. Dona Quinoca.

Dona Quinoca era uma senhora idosa, aproximadamente uns setenta e poucos anos de idade, mas com uma vitalidade admirável, considerando todas as dificuldades e uma saúde frágil. Morava numa pequena casinha de madeira, sem pintura e sem luxos, mas a paz e a harmonia habitavam ali. Moravam com ela, sua filha, então separada, e seus dois netos, um menino e uma menina.

Comecei a namorar a mãe do meu filho que era vizinha de Dona Quinoca, amiga da filha dela e, não por acaso, também frequentadora da casa. Meu afeto por essa senhora tão bem humorada, tão positiva, só fazia crescer. Não tinha um dia que fosse visitar a namorada que não passasse na casa de Dona Quinoca.

Algumas vezes ia sozinho, outras com a namorada, mas raramente deixava de visitá-la. Era um carinho recíproco e muito prazeroso, brindado com um delicioso cafezinho, tratamento especial que a casa oferecia. Uma honraria, considerando as parcas condições da bela anfitriã.

Numa das últimas visitas que fiz para Dona Quinoca, notei que existia uma preocupação, uma angústia entre os membros da família. Perguntei qual era o problema e se podia ajudar em alguma coisa. Dona Quinoca na sua simplicidade, contou-me o que acontecia, mas com a alma pura não teve a intenção de reclamar da vida e sim dividir o peso e a dor que angustiava a ela e a todos. Sua neta estava com uma infecção no ouvido e necessitava ser operada com urgência. Tinham conseguido quase tudo para a internação, pelo sistema de saúde, mas não tinham o valor para pagar a anestesia, parte que o sistema não cobria. Casualmente nesse dia, sem avisar a ninguém, aceitei uma proposta de trabalho em outra empresa e havia recebido a indenização do emprego anterior. O valor necessário para a anestesia era quase todo o valor que eu tinha no bolso. Falei que ela faria a cirurgia e ofereci o valor que era necessário. Dona Quinoca, surpresa, colocou as mãos no rosto, dizendo que não poderia aceitar porque não conseguiria pagar. O valor que recebia de pensão não lhe permitiria cumprir com pagamentos acima das necessidades da família. Disse a ela que não estava cobrando, estava doando o dinheiro para que conseguisse fazer a cirurgia e que o meu pagamento já estava sendo feito em cafezinhos, que poderia continuar me pagando assim. Ela chamou sua filha e fez um pedido: “De hoje em diante, mesmo que eu não esteja mais nesse mundo, sempre que ele entrar nessa casa quero que tu faça um café”. Se não tiver pó, saia e peça para os vizinhos, mas quero que ele receba sempre esse “cafezinho”.

Tendo a promessa da filha, aceitou o dinheiro e a cirurgia foi feita (hoje sei que era uma cirurgia, relativamente simples, meus dois filhos fizeram), mas entendo que para pessoas com poucas condições financeiras, continua sendo um problema sério.

Muito pouco tempo depois, desse dia, Dona Quinoca veio a falecer. Cada visita que eu fazia em sua casa, vinha a história do Cafezinho e isso me deixava incomodado, pois não queria pagamento algum e a cobrança era apenas simbólica para que Dona Quinoca aceitasse o dinheiro. Acabei me afastando e frequentando cada vez menos a casa, mantida a amizade, mas restrita a frequência.

Passados alguns meses fui visitar meu pai que morava na capital, almoçamos juntos e conversamos sobre muitas coisas. Entre esses assuntos, não lembro bem como, acabei falando o nome de Dona Quinoca, sem entrar na história em si, nem mesmo que ela havia falecido. Ele, ao ouvir o nome dela, rapidamente me questionou:

- Quinoca?

- Sim, Dona Quinoca, lhe respondi.

_ “Mas Quinoca, em Camaquã, eu só conheci uma”. Minha Comadre Quinoca.

Ao ouvir isso, fiquei curioso e pedi que me contasse a história sobre a “Comadre”.

- “Quando eu vim do interior para morar na capital, passei alguns meses na cidade que tu estás morando, antes de vir para cá”. Eu tinha uns 18 anos, não tinha dinheiro e sai em busca de trabalho para poder ganhar a vida. Minha Comadre Quinoca, (meu pai era padrinho de sua filha, Alba) abriu as portas da sua casa e me recebeu de braços abertos. Fiquei, meses, morando na casa dela, sem dinheiro pra nada, apenas com a roupa do corpo. Se não tivesse recebido o apoio dela, talvez estivesse morando ainda no interior, de onde vim. Se hoje consegui um bom emprego, casa, família, devo muito ao apoio que recebi da minha “madrinha” e “comadre”. Infelizmente depois que vim pra cá, nunca mais voltei e nem soube dela, mas espero que esteja bem e que o bem que ela me fez possa ter sido retribuído de alguma forma.

Ernesto Braga
Enviado por Ernesto Braga em 02/12/2015
Código do texto: T5467265
Classificação de conteúdo: seguro