Noite Triste de Natal
Pela primeira vez na vida, Júlia iria passar a ceia de Natal sozinha.
Dias antes, ela estava animada. Comprou vinho e peru no supermercado e planejava comemorar seu Natal, porém, quando o dia chegou, veio junto a melancolia que dela se apossou.
Se esforçou, preparou o Peru, estendeu uma toalha vermelha com detalhes de árvores de natais em sua mesa, pegou um copo e abriu o vinho. Mas o sorriso não veio, antes, um clima total de solidão.
O apartamento silencioso estava, e quando ela se aproximou da janela a fim de espiar a rua, notou que também a cidade estava calada.
O interfone de repente apitou, deixando Júlia sobressaltada. Quem seria? Não estava esperando ninguém... Fazendo uma careta de confusão, ela atendeu o interfone.
- Dona Júlia, aqui é o seu Ricardo, porteiro.
"Claro, quem mais seria...", pensou Júlia, e respondeu:
- Pois não?
- Chegou uma encomenda aqui pra senhora.
"Encomenda?". A situação estava toda estranha.
- O...Ok, já vou ir aí embaixo buscá-la. Obrigada Ricardo. - e desligou.
Estava usando um vestido simples, do dia a dia. Como desanimou-se na última hora, acabou por não se emperiquitar toda para sua Ceia privada, e assim, desceu pelo elevador até a recepção. Ao analisar a situação de Ricardo, o fato de ele passar a noite de Natal ali, naquela sala fria e impessoal, trabalhando, a fez refletir em como estava desperdiçando sua noite, sua vida, afinal ela não tinha compromissos, mesmo assim, não podia dizer que sua noite de Natal estava melhor que a de Ricardo, o porteiro.
Ao vê-la, ele logo retirou de debaixo da grande mesa de mármore um embrulho. Júlia se assustou, parecia um presente! Será que foi o porteiro quem comprou? Será que chegou a tal ponto de o único presente de Natal ganhado foi o de um porteiro, que certamente sentiu piedade dela?
Se aproximou da bancada e pegou o embrulho nas mãos. Era de tamanho médio, mas não muito pesado. Olhou para o porteiro, sem saber bem o que dizer.
- É... - hesitou. - Foi... você?
- Como? - Ricardo questionou-a.
Júlia pode sentir suas bochechas esquentarem.
- Nada não... obrigado pelo aviso. - disse, virando e andando em caminho reto e a passos rápidos de volta para o elevador.
Horas, não havia sido o porteiro... então, quem teria sido? Apertou o número 5 e logo em seguida, ainda dentro daquela caixa de metal que subia, rasgou todo o embrulho. A curiosidade não queria esperar. Era uma caixa simples, e dentro dela, uma roupa e um cartão. Júlia ficou na dúvida sobre o qual analisaria primeiro. As portas se abriram. Ela volta a seu apartamento que o esperava, batendo a porta assim que pisa dentro dele.
Se joga em seu sofá segurando o embrulho com a caixa. Desdobra rapidamente a roupa para olhá-la. Era uma camisetinha um tanto simples, com alguns efeitos de strass, mas que mesmo assim fez brotar em seu rosto o primeiro sorriso desde que acordara naquela manhã. Abre o cartão.
"Minha querida sobrinha, espero que goste do presente. É simples, mas é de coração. Feliz Natal, do seu tio, Mariano."
Seus olhos lacrimejam, ficando um pouco vermelhos na eminência de uma lágrima. Emocionada, corre para experimentar a roupa.
É, ficou um pouco apertada, mas não havia problema. Num ímpeto inesperado, Júlia decide sair daquele apartamento abafado e obscuro, que mais parecia uma prisão domiciliar e caminhar pelas ruas sem destino. "Tomar um ar", pensou. Pega sua bolsa e sai.
Assim que chega na recepção, recebe um olhar do porteiro e não pode deixar de ter uma sensação de que aquele homem tinha piedade dela. Desvia o olhar e continua caminhando rumo a porta de saída, mas para antes de abri-la. Vira-se para trás e diz:
- Feliz Natal. - sem dar tempo de Ricardo respondê-la, ela sai rua a fora.
Havia um vento delicado que balançava seus cabelos suavemente, e logo suas narinas sentem um odor de tabaco queimando. Do seu lado, passam dois homens conversando e um deles fumava. Não parecem ter notado sua existência. Ela decide ir para o lado inverso ao deles.
Vai andando, e logo, vão aparecendo casas enfeitadas com luzinhas pisca-pisca. Ela tenta apreciar as decorações que se apresentavam. Em algumas casas porém, nada havia, nem sequer uma luz acesa dentro podia ser vista. Deviam estar na casa de parentes ou talvez viajando, possivelmente na praia. Bem melhores do que ela.
As estrelas do céu já não podiam ser vistas há muito tempo, tampadas pela poluição urbana, e a lua estava escondida atrás de uma nuvem.
Caminha por três quadras, olhando em seu entorno com atenção. Prestava atenção em tudo e nada prestava atenção nela. Estava sozinha, definitivamente, porém se enganava achando que estava um pouco melhor que antes por estar fazendo alguma coisa fora de casa, mesmo que este algo fosse andar sem rumo por aí.
As ruas estavam desertas, e o clima agradável. Ouve de repente várias pessoas falando juntas... pareciam estar cantando algum tipo de canção. Procura pela localização delas. Estão em um sobrado amarelo bastante enfeitado e com vários carros estacionados a sua frente.
Pela primeira vez, decide parar para apreciar a visão. Não podia ver as pessoas, apenas sombras delas atrás da cortina. Um pisca-pisca azul que desenhava um pinheiro na janela ao lado da janela onde as pessoas estavam subitamente chama sua atenção, e ela fica olhando para aquelas luzes azuis claras acendendo e apagando.
Acendendo.
Apagando.
Acendendo.
Apagando.
De repente sente um objeto frio e metálico encostar em sua garganta, a fazendo se sobressaltar. A faca risca um pouco seu pescoço, e ela levanta as mãos, em pânico. Não havia ouvido passos, nem nada.
O sujeito atrás dela fala algo que ela, em seu pânico, não consegue distinguir. O cara agarra sua bolsa e sai correndo a deixando paralisada, tentando entender o que acabara de acontecer. Foi tudo muito rápido.
Após o susto, vira-se para trás e vê uma silhueta correndo em meio a escuridão, levando com ela sua bolsa - todos seus documentos, cartões, celular e as chaves de seu apartamento.
Foi a cereja do bolo triste de sua noite infeliz e deprimente. Decide imediatamente retornar a seu apartamento, e esperava que houvesse um chaveiro disponível aquela hora da noite.
No caminho de volta, esquecendo-se completamente do sobrado amarelo que admirava, passa a pensar no ocorrido. Matutando, chega a conclusão de que se não houvessem chaveiros naquele Natal - os quais tentaria entrar em contato pelo telefone da recepção - iria dar um jeito de arrombar a porta. Só queria retornar para seu apartamento gélido e sombrio. O choque ainda não havia a abandonado e tudo parecia ainda surreal.
Olha a eu redor, com medo, em busca de possíveis criminosos a espreita, ou do mesmo cara que havia acabado de assaltá-la. Ele havia corrido para a mesma direção que agora ela seguia, e sumido completamente. Mas poderia estar escondido atrás de uma lixeira, ou algo assim.
Há dez passos de distância de seu prédio, é surprendida por um jarro de água espirrando em sua roupa - havia chovido recentemente. E o carro que jogara passa velozmente pela rua.
Observa chocada lama em si mesma.
É, de fato aquela não era sua noite. Júlia adentra desanimada pela porta, onde o porteiro a esperava, exalando pena.
- Ricardo... - ela diz. - Você, por obséquio, não teria uma lista telefônica aí?