O CLIENTE ESTRANHO

Todos os dias, Bernardo marcava ponto no botequim do Maurício. A mesa 6 era a sua escolhida devido a localização privilegiada. A mesa ficava situada defronte a grande vidraça em que assistia-se as cenas da rua e também do lado interno do botequim. Bernardo seguia a mesma rotina diária. Ele pedia um pingado, tirava da bolsa um pacote de Cream Craker e fazia anotações em seu caderninho de bolso. Ali passava um longo tempo escrevendo algumas coisas. O Maurício observava todos os movimentos de seu freguês assíduo. Ás vezes pensava: - Será que ele é escritor, diretor de teatro ou cinema?. Ele tinha vontade de perguntar algo, mas faltava-lhe oportunidade. Quando o cliente estranho recebia o café não dava chance para nenhuma conversa. O dono do botequim comentava sobre futebol, mulheres e até religião. Todavia Bernardo continuava conciso em suas palavras tal qual os antigos espartanos. Ele usava apenas frases curtas e termos monossilábicos tais como: "sim", "não", " é mesmo", entre outras. A única palavra que Maurício "arrancou" de seu cliente foi o seu nome. E o caderninho de anotações?. Ninguém conseguia distinguir os termos escritos. Havia riscos, letras borradas e códigos indecifráveis. Certa vez, Bernardo deixou o caderninho em cima da mesa e foi ao banheiro. Logo, Maurício pós-se a observar, mas nada compreendia daquela escrita. Ele recorreu a alguns clientes, mas não obteve êxito. O dono do botequim passou então a acreditar que Bernardo era escritor de verdade. Maurício pensava: - Será que ele observa as pessoas e transpõe para o seu livro?. Neste caso o botequim talvez um dia iria ficar famoso. De repente poderia ser usado para locações de um filme baseado na obra deste escritor. Certo dia, o cliente estranho não apareceu naquele estabelecimento. Alguns fregueses indagavam se ele tinha morrido, preso, ou então ganhou na loteria e foi para o Caribe. O sumiço do "escritor" foi o assunto do dia. A mesa dele estava vazia e ninguém se atrevia a ocupá-la. Então passou-se uma semana, um mês e todos já não percebiam a ausência do freguês estranho. No entanto na véspera do Ano Novo, o tal Bernardo apareceu no botequim em companhia de dois homens. Maurício pensou: - Eles são da família do "escritor" certamente. Ainda bem que trouxe mais clientes. Mas os homens eram na verdade fiscais da vigilância sanitária. Bernardo atuava como fiscal disfarçado em vários lugares. O dono do botequim ainda ofereceu proprina, mas não teve jeito. O seu estabelecimento foi interditado por tempo indeterminado. A acusação era a falta de higiene total. "Mas que azar, logo na véspera de Ano Novo, que prejuízo" disse o curioso Maurício.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 31/12/2015
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