Última entrega

Era apenas mais um fim de expediente e de semana para um entregador de flores na capital da Inglaterra.

Henri era um francês que trabalhava em uma floricultura localizada na Gloucester Road próxima ao famoso Hyde Park, área turística da grande Londres. O jovem imigrante que deixou sua pequena cidade no interior da França para se aventurar na metrópole inglesa teve um dia difícil, com poucas entregas que lhe tomaram muito tempo e lhe renderam pouquíssimas libras - essas que por sinal não davam nem para garantir o aluguel e alimentação daquela semana.

Quando retornou à floricultura (da última entrega do dia) para receber o salário da semana, Henri recebeu um vaso com um pequeno buquê de rosas amarelas, para serem levadas próximas a estação de Epping. Após aquela entrega o rapaz poderia ir para casa diretamente. “-Quanta gentileza!”, pensa o entregador, já nervoso e torcendo para que aquela estação não fosse muito longe.

Checando em seu mapa Henri verifica que o endereço está localizado na zona três da linha vermelha do metrô. “-Já fiz entregas mais distantes”, pensa buscando consolo. Ele teria que percorrer aproximadamente umas 26 estações até chegar ao seu destino para entregar as flores e retornar para casa por volta das 23 horas daquela fria noite de sábado.

Depois de comprar o seu ticket o francês decide dar uma folheada no “Metro” (jornal distribuído gratuitamente nas estações de metrô da cidade). Mas ele estava tão cansado, que era difícil se concentrar e ler algo. Ainda por cima em um idioma que ainda não dominava tão bem. No entanto, passando os olhos pelas manchetes, uma chamou-lhe a atenção. Era uma matéria que falava sobre os inúmeros idosos solitários existentes na Inglaterra atualmente. A matéria relatava que muitos deles são abandonados por seus filhos em lares, asilos ou mesmo dentro de casa. A reportagem dizia que por essa razão alguns chegavam a morrer por depressão, acidentes domésticos ou falta de alimentação adequada.

Após a leitura, Henri encostou a cabeça em sua mochila e não viu mais nada até ser acordado por um passageiro - já na estação de Epping. Já eram mais de 21 horas.

Ao sair da estação Henri abriu o mapa em um dos pequenos lugares iluminados da estação semi-abandonada e procurou o endereço de sua entrega. Após alguns longos minutos naquele frio o jovem percebe que a rua procurada, Elder’s road, fica um pouco longe da estação e que seria necessário fazer um percurso de ônibus. Pensando no trabalho que aquela entrega estava dando e nas míseras três libras que receberia pela entrega o rapaz se reclama “-Deveria ter negado o pedido do florista e deixado que um cab levasse o buquê”. Mas a preocupação com suas despesas e o pouco dinheiro que ele tinha guardado davam-lhe motivação para não recusar trabalho algum. Além do mais, em no máximo 40 minutos estaria chegando ao seu lar.

Quarenta e cinco minutos mais tarde, depois de ter aguardado 20 minutos pela chegada do ônibus e mais 20 minutos do trajeto, Henri encontrou o número 89b da pequena e mal-iluminada Elder’s Road.

Após seis longos dias de trabalho e já na última entrega daquele dia exaustivo, tudo que o jovem entregador queria era deixar logo aquelas flores, colher a assinatura do destinatário e retornar para sua casa, onde poderia tomar um longo banho quente e ter ao menos uma refeição decente naquele dia.

Já na frente da casa o rapaz nota que a destinatária mora nos fundos de uma casa com aspecto humilde, coberta por ramagens de trepadeira e um lindo jardim que deixava o lugar com um ar de paz em meio à grande Londres.

Apenas uma luz fraca podia ser reconhecida através daquelas janelas opacas e um pouco antigas. Henri bateu na porta e esperou um pouco, mas ninguém respondeu. Bateu e novamente não foi respondido. Após repetir o gesto por mais três vezes, o rapaz ficou nervoso e arrependido. Furioso por ter perdido seu tempo e estar sendo extremamente explorado naquela condição de imigrante e ter que fazer esse tipo de sacrifício para pagar suas contas e arrependido por ter deixado seu país em uma condição mais confortável e menos humilhante que aquele tipo de trabalho às vezes lhe obrigava a ter.

Já conformado com a ausência e virando-se para fazer o retorno para casa, Henri se surpreende com uma voz quase inaudível que questionava “-Who is it? Who is it?”. Não entendendo o significado daquela expressão o rapaz se preocupa apenas em repetir a frase que costumava dizer quando tinha que falar com o receptor das encomendas “-Flower delivering to…” Ms. Smith.

Após alguma desconfiança a porta é aberta por uma senhora de idade, que abriu-lhe um sorriso maravilhoso quando olhou para o pequeno buquê nas mãos de Henri.

Mesmo estando extremamente faminto, exausto e revoltado com aquela situação o jovem não pode deixar de notar a felicidade da senhora e sorriu em retribuição. Depois de agradecer e cheirar as rosas, a pequena Ms. Smith vai logo dizendo que é seu aniversário de 89 anos e que estava surpresa por alguém ter se lembrado da ocasião, pois era viúva e seu único filho não lhe escrevia há anos. O entregador percebe a situação e a grande emoção da senhora e vai logo desejando feliz aniversário, o que acaba por fazer com que a velhinha, inicialmente desconfiada, se torne extremamente simpática e receptiva.

Henri percebeu a dificuldade da senhora em segurar o buquê, mesmo este sendo pequeno, e se ofereceu para colocá-lo em algum lugar. Henri deixou as rosas em um vaso no quarto de Ms. Smith e pediu a assinatura em sua folha de entregas.

Enquanto procurava o papel no meio de seu mapa, Ms. Smith abriu o cartão com curiosidade e comentou que o cartão apenas dizia vagamente “-Feliz aniversário de seu querido que te ama e sente saudades de você”. Não tinha assinatura. No entanto ela não escondeu a emoção que aquelas simples palavras lhe causaram.

Henri finalmente conseguiu encontrar seus papéis e procurando um espaço para assinatura da senhora, percebe que o endereço era 890 e não 89b Elder’s Road. Constrangido pelo engano e pela estranha coincidência que ocorrera - 89b, 89 anos, Elder’s Road - em um breve instante de tempo o jovem vacila e chega a murmurar algumas palavras em broken English para explicar a situação, mas acaba por optar em não desfazer aquele engano, que resultou em uma grande felicidade na vida da simpática Ms. Smith. “-Amanhã entrego o outro buquê no endereço correto”.

Após assinar o papel sem ao menos ler do que se tratava a velhinha convidou o francês a tomar um famoso londrino “cup of tea”. Henri a princípio nega, dizendo apenas que já era tarde, mas pensa que já que decidiu por fazer uma boa ação naquela noite, tinha que ir até o fim. Isso incluiu seu “-Yes, yes ok” de aceitação ao convite. A resposta trouxe outro largo sorriso para o rosto daquela senhora.

Ms. Smith pediu para ele se sentar enquanto ia colocando a água para esquentar e nesse espaço de tempo foram trocando algumas palavras, dentro do que permitia o vocabulário do entregador e sua compreensão da língua inglesa.

Ms. Smith falou de sua vida, de seu marido que falecera quando eles tinham apenas cinco anos de casados e do filho pequeno que ficou para ela criar. Derramando algumas lágrimas ela contou que dedicou toda sua vida a esse filho. O jovem entrou para a universidade e quando se formou, nunca mais voltou a dar sinal de vida.

Henri também contou um pouco sobre sua vida, da França, como sentia saudades de sua família e das dificuldades em trabalhar como entregador de flores e manter-se em uma cidade tão cara como Londres.

Por volta das 23h30min Henri sente a necessidade de partir. Mas tinha de admitir que estava se divertindo, treinando seu inglês e ainda fazendo uma boa amizade.

Quando terminou seu chá com biscoitos, feitos pela Senhora Smith, Henri pediu para usar o banheiro e ao entrar, pensou em como aquela pequena casa, apesar de humilde, era aconchegante e bem cuidada. Tinha aspecto de casa de vó. Retornando à pequena sala, o francês agradeceu a gentileza e se despediu e também recebeu agradecimentos juntamente com um embrulho que continha alguns biscoitos feitos por ela.

No domingo de manhã, quando foi tomar o seu café, Henri lembrou dos deliciosos biscoitos que ganhara de Ms. Smith. Abrindo sua mochila, percebeu um envelope dentro de sua bolsa. Ao abri-lo, deparou-se com três notas de 20 libras!!! Aquele valor totalizava as suas despesas com aluguel e alimentação da semana inteira!

Henri que tinha pensado que um anjo o colocara na vida daquela simpática velhinha, para fazer companhia a ela naquela noite, passou a acreditar que o mesmo anjo colocou-a na vida dele, para deixá-lo mais tranqüilo naquele mês e também motivá-lo a fazer mais esses tipos de doces sacrifícios.