Sob os cuidados de Valquíria

No ano passado, minha tia Rosília que mora na capital, descobriu que eu não havia sido totalmente curado da doença que desenvolvi na primeira infância. Temerosa, enviou uma carta a minha mãe, pedindo que por favor me mandasse à sua casa, ela disse que trataria de mim e assegurou que eu voltaria melhor ou até são. Era tudo que mamãe e eu queríamos ouvir.

Viajei 10 horas até a capital, minha tia já estava me esperando com as consultas marcadas. Após ser examinado e novamente diagnosticado, recebi listas de recomendações médicas e medicamentos em algumas das muitas consultas. Tia Rosília não pôde cuidar de mim como queria, por mais que fosse grande à sua boa vontade, tinha seu trabalho e outros afazeres.

Mesmo após eu ter afirmado que poderia fazer um plano com os horários e as doses de cada medicamento a ser ministrado, ela não aceitou, pois, segundo ela: um garoto de 12 anos é uma criança e não deve se medicar sem supervisão. Ela não teve escolha, as primeiras doses, eu mesmo preparei e tomei — só pra constar — fiz tudo certo e já estava melhor. Até que, Valquíria, a filha da vizinha, uma moça que nasceu 5 anos antes de mim e sonhava em ser enfermeira, se ofereceu para cuidar dos meus medicamentos e o que mais eu precisasse. Daí eu me juntei aos seletos pacientes da "Dra. Valquíria", eram eles: a vozinha dela, diabética há 20 anos; um senhor solitário que vivia no térreo; D. Isabela, uma idosa simpática que morava numa casa em frente ao prédio e tomava remédio pra memória; e um garoto do andar debaixo com problemas mentais e pais que trabalhavam durante o dia.

Minha "doutora/enfermeira" era muito atenciosa, mas as vezes eu me perguntava se aquilo era uma espécie de brincadeira pra ela, acima de tudo, ela parecia se divertir ao fazer essas tarefas. Seu único defeito era não prestar atenção nas doses, praticamente esqueceu de um comprimido que devia ser tomado uma vez ao dia e me dava doses exageradas de um xarope doce, me vi forçado a falar com ela que eu não devia tomar toda aquela quantidade e ela me respondeu:

—O xarope é doce, não irá fazer mal.

Pela manhã, fui parar no hospital com a pele vermelha e coceira no corpo inteiro, porém não a dedurei. Por um lado foi bom, o médico trocou o xarope por outro bem melhor e descobriu que eu tinha intolerância a outro componente presente no antigo remédio.

Na semana seguinte a moça sumiu, eu continuei tomando meus medicamentos sozinho. Era por volta das 5 da tarde na quarta-feira, quando tia Rosília entrou no meu quarto, com uma expressão que misturava susto e tristeza:

—Querido... Valquíria faleceu esta tarde.

—Como assim, tia? Perguntei ao receber a notícia chocante.

—Ela também estava doente. Sua família já desconfiava, porém ela negava e ignorava os sintomas, se dizia enfermeira, não paciente.

Chorei. Sabia que Valquíria poderia comprometer meu tratamento, mas não queria que ela se fosse de maneira tão trágica e precoce... Por causa dela passei a analisar ainda melhor minhas dores, minhas doses, meus cuidados.