O motoqueiro desaforado

Janeiro de 2013. Era uma tarde de verão e o calor estava insuportável. O dia transcorria igual aos outros, com o tempo engolindo as horas num piscar de olhos. Já estávamos há duas semanas depois que o mundo, outra vez, não acabou. A história que vou contar teve a sua origem quando meu amigo, um cidadão pacato, um homem comum, aposentado, decidiu sair de casa e arriscar uma volta de carro pela cidade. Isto depois de tentar diversas estratégias para passar o tempo e amenizar o calor. Sentia-se entediado. Por isso precisava relaxar e encontrar algo que o distraísse. Então, resolveu dar um volta de carro.

Passou pelo portão acenando para o vizinho, que em pé na porta da casa, olhava a rua. Rodava pela avenida quando resolveu passar no supermercado para fazer umas compras. No caminho, ouvia em silêncio o som do cd que tocava um bolero. Na sua cabeça a letra da canção fazia parte dos seus pensamentos. Depois de rodar alguns quilômetros e quadras pela avenida, chegou à rua do supermercado. Distraído, virou a esquerda sem ligar as setas. Mas, na virada, fechou um motoqueiro e quase o atropelou. Depois rodou mais alguns metros e estacionou.

Ao abrir a porta do carro, notou que um moço parara a seu lado. Deparar-se com um rapaz de capacete, olhando-o, deixou-o intrigado, pensou que boa coisa não deveria ser. Por fim, o seu instinto de autodefesa o fez encará-lo com severidade e sem medo, embora achasse que estava diante de um bandido, antecipou meio assustado uma voz de assalto. Mas, não houve. Apenas ouviu o jovem perguntar com voz cal-ma:

- Onde o senhor comprou este carro?

O tom com que o motoqueiro proferia tais palavras não deixava dúvidas: falava sério. Para meu o amigo a pergunta parecia bem clara e achando que ele gostara do seu carro e talvez, quisesse comprar igual, respondeu:

- Na concessionária.

Ficou surpreso quando o rapaz indagou.

- La onde o senhor comprou este carro tinha seta para vender?

Ele não entendeu, mas respondeu ao motoqueiro, sorrindo:

- É claro, vende sim, vende todos os acessórios. O meu carro, por exemplo, está completo.

O rapaz retrucou:

- Não está não. O senhor deve voltar lá na concessionária e reclamar ou comprar quatro setas para o seu carro, pois ele não tem nenhuma.

- Tem sim, respondeu irritado.

E antes que ele terminasse de falar, o rapaz ligou a moto e partiu. Ao notar que ele tinha ido embora, sacou logo que por trás daquelas perguntas inofensivas, havia uma gozação diabólica por ele não ter ligado a seta do carro quando virou a esquina. Sentiu um baque profundo de raiva e mastigou em silencio sua ira. Indignado passou a xingá-lo. Mas, já era tarde, o motoqueiro desaforado já estava bem lon-ge.