Sarjeta

Desceu lentamente o zíper de seu abrigo, com os ombros ainda encolhidos e os olhos fixos num ponto imaginário não muito alto nem distante, como que esperando a confirmação que o frio e o vento que haviam sido deixados para o outro lado da porta de madeira não muito grossa, realmente tinham sido barrados para o exterior do vestíbulo onde agora se encontrava.

Dando passos tímidos e comedidos ganhou a sala. Ao entrar na cozinha pendurou seu casaco no espaldar da cadeira que se situava à ponta da mesa. Sentou-se. Examinou o pacote pardo e a garrafa térmica que repousavam sobre a mesa e lhes roubou alguns pães e uns poucos goles, pretos e amargos, de café.

Mais um dia de trabalho findara-se, mais um subjetivamente inútil dia útil, mas que de todo, havia de ser recompensado. O seu louro por oito horas de labuta árdua, emolduradas por algumas outras já nem sentidas horas perdidas no trajeto até o local determinado, figurava, segundo tinha para si, sobre a cama, no cômodo adjacente ao que agora ocupava. Não que se tratasse da pilhagem das suas batalhas diárias e consecutivas. Não. Era mais o seu cais, sua casamata em meio a guerra à qual estava submetido quase que ininterruptamente durante esse todo período que já não tinha certeza se se acercava de um mês ou cinco anos.

Estava dormente enquanto não em seu abrigo. De que adiantaria viver, se não houvesse algo pelo qual morrer. E esse algo ele sabia, havia deixado o embrulho pardo cuidadosamente fechado e com a dobra da abertura voltada para a direção da cadeira vazia na ponta da mesa. Havia diligentemente deixado a garrafa térmica ao lado direito do assento, próxima a uma xícara encimada por uma colher de chá, não muito distante do açucareiro.

Então ele terminou aquilo a que chamou de refeição, levantou-se e caminhou na ponta dos pés, passando novamente pela sala por aonde chegara, e, ao chegar no quarto, deu-se por satisfeito ao não encontrar a cama vazia.

Abriu um sorriso mudo.

E ainda carregando-o deitou-se com cuidado ao lado de quem já ali estava e aprochegou seu corpo ao dela. Deleitou-se, ainda que com certa exaustão provocada pelo seu dia, com o delicado som provocado pelo roçar da camisola de fino tecido no lençol, indicando um recíproco aprochegar-se da outra parte.

Foi então que deu com um par de olhos castanhos, quase que escondidos por detrás de uma cortina de cabelos ondulados, desarrumados de uma forma tão natural e encantadora, que por um momento, não muito grande, mas muito mais que suficiente: tudo fez sentido.

Gravor di Saint Danielt
Enviado por Gravor di Saint Danielt em 06/07/2007
Reeditado em 09/07/2007
Código do texto: T555028