Mortal Amor

O sol, já noticiava seu ocaso e na visão de Argus a luz se fazia intensa contrastando com o momento. Vinha de ela, que, ocupava em sua lembrança todos os espaços. Vinha daquela grandiosa pírila que lhe aquecia por inteiro e ensejava esperança naquele coração sofrido e calado. Nela repousava sua paz; dela originava o seu ar; nela, a razão do seu viver.

Pequeno réptil movimenta-se entre as folhas secas subtraindo-lhe à viagem. Aproveitou este interstício e mais uma vez admirou a dourada tela que nem mesmo Monet, seu ídolo do pincel, reproduziria igual.

Ainda observando a tela, questionou-se: que técnica utilizou-se o Criador para produzir tamanha beleza?... Que primor de combinação de cores; onde, aquele dourado ouro em degradê fora tão bem suportado pela original tela azul como pano de fundo, cerceada em seu direito de aparecer por rêmiges de cinzentos tons. Maravilhado, viu a partir daquele incandescente núcleo; ora livre, ora quase que totalmente coberto, fótons luminescentes à transpor as adjacentes pinceladas abstratas em tons de branco acinzentado, de forma à ferir-lhe a visão gravando em sua mente, por milésimos de segundos, aquele véu de noiva. Embevecido, observou dezenas de urubus a planarem, como que querendo colaborar na obra prima; quando, pela grande altura, mais se pareciam com miasmas em movimento a contrastar na tela. Impar tela interativa, onde gigantescos blocos de nuvens ao se fracionar formavam animais, bonecos e rostos em constante movimento, conquanto ainda, permitisse ao maravilhado espectador utilizando-se da emergente emoção, fazer-se co-autor.

Absorto neste contemplativo êxtase, sequer notou representantes da flora e fauna captando-lhe as projeções psíquicas, com seus balouçar e suas canoras algazarras, dizerem: sim... Que bela tela!

Enciumada a dona dos seus pensamentos tornou ao seu lugar, destarte utilizando-se do natural pincel do Autor, e, como aquarela, as mesmas nuvens em movimento, como que em óleo sobre tela, gravando naquela: - seu rosto. Olhos vivos, nariz delgado, boca de lábios canudos e bem contornados envoltos por revolta cabeleira em tom negro. Roubou a cena! Forçou o ocaso. Mas, as trevas que naturalmente adviriam deste ocaso, ante sua lembrança se dissiparam. Sim, longe estava das trevas imiscuir-se na cena, pois sua luz as tangia.

Agora não mais a interativa tela em sua psíquica visão, apenas ela: mais bela do que a tela.

Que lhe importava o tempo? Que lhe importava a chuva, o vento, a fome, se era ela o seu alento? Ela... Sim, ali na tela.

Precisar o tempo: não quis. Saber a hora: pra que? Contudo, sem querer, viu o sol dantes morto em seu ocaso, plagiando o fênix renascer naquela aurora; dissipando as trevas, ensejando a vida.

Junto com o novo dia não mais o ocaso e a interativa tela; nova lembrança lhe surgiu: vestiu sua melhor roupa, perfumou-se com seu melhor perfume, calçou o seu melhor sapato, e, caminhou laureado de sua maior emoção. Sim, finalmente chegou o grande dia. Teria em seus braços, aquela que lhe houvera roubado o coração. Passos lentos, mãos a transpirar, coração descompassado, de segundo em segundo monitorando o relógio; seguiu. Não quis chegar atrasado. Antes, algum minuto adiantado. – pensou.

Não mais que cinco minutos depois de sua chegada, chegou sua luz. Pernas bambas, lábios secos, garganta espinhada, obliteraram-lhe sua voz. Mudo a transpirar, ficou frente aquela doçura. Buscou coragem nas inesgotáveis reservas das forças humanas e, segurou suas mãos. Rosto vermelho, coração a mil, arriscou-se em beijá-la.

Beijou-lhe a mão; beijou-lhe o rosto, primeiro roçou seus lábios no dela.

Ainda em sua mente a mesma tela: beijou-lhe a boca, beijou-lhe seu beijo, cheio de desejos: - perdeu a razão. Na bela igreja, sua bela mais bela, casara-lhes Deus, só ele e ela. A casa pequena, mas grande em amor, jamais tinha frio: - só luz e calor.

Na tela, dois anos depois ainda sua casa pequena e caiada: sem luxo, sem brigas, sem desavenças insanas. Só ele e ela...

Sua mente insistente lhe joga pra frente: forte dor de cabeça lhe tirara um dia de trabalho. Voltava pra casa. Seria dez ou dez e trinta daquela manhã? Que lhe importava saber? Voltava pra casa.

A chave na porta: - o som nas alturas;

Próximo ao seu quarto: - gritos e gemidos;

Por sobre seus lençóis - dois corpos em chamas.

Mente algarávica: - perdeu a razão;

Uma faca em seus corpos: - sangue pelo chão...

Seria novo ocaso? Agora na tela, não mais sua bela. O negro do nada, o vermelho da ira, queimava sua tela.

Antonio Rey.

Antonio Rey
Enviado por Antonio Rey em 07/07/2007
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