O Ofício da Imaculada

O beco-sem-saída, a que papai nomeara informalmente Travessa São José, situado entre o largo de São José e a banda da igrejinha do Bom Jesus não continha além cinco casas naquele final da década de cinquenta, quando nos mudamos pra lá, chegados do Brumado. Compúnhamos ainda uma família de oito, espalhados em dois quartos. Aconchego dos mais fartos...

A ruela, que seria desobstruída só uma década mais tarde, para virar a rua Dr Nonô Cançado, que a seguir passaria a ser também calçado - dos irregulares poliedros de granito - era nosso play-ground, e que bonito. Ruávamos simplesmente, e o futebol, era o hábito mais corrente. Mas a trançagem pelos lotes vagos, com seu arvoredo variado era o convite ao pecado.

E a vista, olhos voltados para o Cruz do Monte, o ponto culminante do município, só tinha a obstruí-la a matriz imponente, a meio caminho. O resto era visão indevassada da serra, das matas, de matão e matinho.

E o mais bonito de tudo, não lhe iludo, era ver a formação da chuva nas encostas da serra: como um nívio e diáfano véu ela parecia haver descido do céu e flanar docemente na direção da gente. Alarma soado, era hora de ir correndo recolher a roupa no varal, fechar janelas, botar lenha seca sob a coberta porque a água que vinha era mais do que certa.

Só quando do lado do nascente o céu escurecia aí é que a gente temia: chuva braba viria. Raios, trovoadas, poderosas enxurradas e palmas secas bentas, ao fogo levadas. Se continuasse o vendaval o ofício à imaculada era o antídoto celestial. Mais longo que qualquer temporal.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 01/03/2016
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