O DIA EM QUE A DOR MATOU O AMOR
No dia em que o amor se transformou em dor, fui à farmácia e comprei comprimidos. Tomei um, tomei dois, tomei vários até esvaziar a caixa toda. Alguns dias depois, voltei e pedi ao farmacêutico solícito algo mais forte, e na agulha curei com dor a minha dor. Voltei lá muitas vezes até que o sorriso educado do farmacêutico finalmente enfadou-se. Era preciso procurar o doutor disse ele:
_ Seu caso tornou-se crônico senhora! Já não se cura com comprimidos e injeções.
Marquei horário e me sentei no divã. O parecer do especialista veio rápido:
_ È caso de cirurgia. Com a extirpação e um bom tratamento as dores desaparecerão por completo.
Agradeci, e nunca mais voltei. A dor se transformara em vicio e como boa toxicômana o que eu desejava não era liberdade e sim uma forma amena de conviver com minha própria dependência.
Como todo viciado me desfiz de mim. Deixei-me, e com dor assisti minha dignidade naufragar aos poucos no mar bravio dos caprichos dele. Só para jogar-me em meus braços nos breves momentos de calmaria, sorvendo sedenta a pouca ternura que nele havia.
Mas um dia por um breve momento, um segundo apenas, meus olhos se desviaram do objeto amado. Olhei então para mim e nada vi. Voltei meus olhos para o caminho que acabara de percorrer e não enxerguei meus passos. Desesperada então, mirei seus olhos, certa de que me encontraria ali. Foi naquele momento que a dor maior se juntou as outras dores e eu gritei.
Caí na beirada do caminho. Cravando as unhas arranquei do peito nu aquele querer insano.
Foi naquele dia, me lembro bem. O dia em que a dor matou o amor e ressuscitou a mulher.