Assim contava minha avó

Contava minha avó Ana Molina Munhoz, desde quando me entendo por gente, repetidamente por toda a sua longa vida, com forte sotaque castelhano, que seu pai Dom Cristovam era um homem muito mau.

- "Cristoban Molina Bêga era más malo que los demonhos."

- "Quando borracho, quedava nerbioso e biolento."

- "Atê los pêrros corriam de miêdo del biêrro aquêl."

A vizinhança que já conhecia sua fama quando via que Dom Cristovam se aproximava de casa e estava bêbedo, alguém corria na frente dele para avisar sua mãe, minha bisavó Isabel Munhoz.

- "Doenha Içabel, côrre, côrre que Dom Cristoban biêne lôgo adji mui borratcho".

E todos abandonavam a casa onde residiam, iam para a casa de algum vizinho mais próximo e ali permaneciam até que passasse a bebedeira do velho.

Certa vez, Dom Cristovam não tinha bebido, portanto estava mais calminho, mais tranquilo e antes de chegar a sua casa, ao passar pelo laranjal do sítio onde hoje estão localizados os blocos de apartamentos no Campo Grande em Jacareí, SP, viu seu neto Francisco um tanto quanto meio atrapalhado com algumas laranjas que havia colhido a pedido de sua mãe, minha avó, para depois fazer um bolo. Ele apertava as laranjas sem sucesso com os dois bracinhos contra o peito para que não caíssem, porém uma ou outra rolava pelo chão. Catava uma, caia outra. Achando a cena engraçada, como depois no futuro viera a comentar sobre o sucedido, Dom Cristovam brincou e cumprimentou o pequeno.

- "Êh canadjita!"

- "Como bá?"

A criança não entendeu, Dom Cristovam estava sendo irônico e carinhoso ao chamar o menino de canadjita (canalhinha). O que sei, é que sei lá porque motivo a criança não entendeu, não gostou e lhe respondeu prontamente:

- "Canadja tu."

Ah!... Quando o velho ouviu aquelas palavras que o pequeno Chico proferira, considerou-as enfrentadoras, um desafio e tremendo desrespeito à sua autoridade de avô, ficou enfurecido e possesso, ficou mais bravo do que um siri dentro de uma lata.

Tirou da cinta, dobrou e enrolou firmemente em uma das mãos e disse ao neto:

- "Bena cá um poquito."

Apreensivo e pressentindo o pior pela cagada que tinha feito ao responder-lhe daquela forma, a criança tentando sem sucesso safar-se da sina que lhe advinha, argumentou:

- "Que me se cai las nararras."

O velho retrucou:

- "Despoes tu las recorre otra bês."

Segurou a criança por um dos bracinhos e deu-lhe uma boa lambada na bunda como castigo por questionar e responder os mais velhos.

Pablo Vera Cruz
Enviado por Pablo Vera Cruz em 26/03/2016
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