DOIS AMIGOS, DOIS DESTINOS!

PRIMO

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Primo foi meu colega no ICEIA, da Série Intermediária. Ambos estudávamos pela manhã e, às vezes, voltávamos ao antigo Instituto Normal da Bahia para participar de jogos e artes à tarde.

Na parte da manhã, nossas tarefas em sala-de-aula não nos deixavam tempo para lazer. As disciplinas eram uma novidade para quem saiu do curso ginasial, aos 15 anos, como eu e a maioria dos colegas, com uma ou outra exceção. Na nossa turma convivemos com alguns colegas um pouco mais velhos, isto é, com um pouco mais de idade, mas eram poucos. A maioria da turma era formada por mulheres e numa sala de 40, eu levava o número 39.

Nesta época conheci o Primo e ficamos amigos. Eu já tocava violão e ele gostava de cantar as melodias interpretadas por Agostinho dos Santos, uma das vozes mais bonitas do Brasil e que veio a falecer num acidente aéreo em Paris, nos anos 1970, no mesmo vôo que vitimou Leila Diniz! Pois é. O primo gostava de cantar um sucesso de Agostinho dos Santos cuja letra era mais ou menos assim: “Luz dos meus olhos, desejo em flor/Que mal conhece o que é o amor.../A noite cálida vai deixar/ Ansiedade em seu lugar.../ E eu me esforçava para acompanhá-lo à altura, sob as vistas de vários outros colegas, a exemplo de Walter Villas Boas, José Carlos Capinan, Edilson Muricy, Kleber Menezes, Requião, sem falar em algumas colegas do turno da tarde que sempre estavam por perto.

Numa manhã, ao final do ano, ainda fazendo as provas finais, chegamos ao ICEIA e soubemos da triste notícia. O Primo havia ingerido grande quantidade de ‘formicida tatu’ e estava morto, em sua casa. Foi um horror. Todos ficamos chocados e a notícia que circulava é de que ele teria tomado conhecimento de que sua irmã (que também era aluna) estaria grávida. E deram tal motivação para o suicídio. Achei muito estranho o Primo tomar atitude tão drástica, mas nada podia fazer diante dos comentários. Sei muito bem que ele morava com a família nas proximidades do colégio, provavelmente na Barão de Macaúbas, imediações da Ladeira do Funil.

WALTER QUEIROZ

Ele estudava à noite, mas não saía do colégio. Era um rapaz saudável, 1,90 mts e uns 110 Kgs., morava na rua dos Perdões, em frente ao antigo mosteiro. Boa praça, forte, mas não andava quebrando ou ameaçando os colegas. Todos gostavam dele, principalmente pelo seu bom humor. Ele gostava de gabar-se do fato de comer todo o feijão que sua mãe fazia para o almoço, enquanto a pobre senhora atendia o telefone. Era muito forte e acabou por ir servir o Exército, logo escolhido para integrar a PE – Polícia do Exército. Várias vezes nos encontramos no centro da cidade, ele a passar em fila indiana e ao me ver sempre cumprimentava: “ diga aí meu irmão!” Ao que eu respondia com um certo orgulho de vê-lo encaminhado na vida. E o tempo foi passando.

Por coincidência, um dos seus irmãos, o Mundinho, era casado com Zendinha que era irmã da minha namorada Noínha, que morava na Rua Direita de Santo Antonio nº 33. E ele sempre foi muito educado comigo, inclusive sabia da minha amizade e coleguismo com o Walter. Entretanto, dada a total aversão que a família da garota demonstrava em relação ao nosso namoro, ele sempre evitava conversa e quando nos encontramos certa feita, ele pediu desculpas: “olha, Ricardo, o pessoal é complicado e eu tentei minimizar a situação e tive uma briga feia com minha mulher, por isso, peço-lhe para compreender a minha situação”. Fiquei agradecido ao Mundinho e disse-lhe que deixasse pra lá.

Lá pelos idos de 1957, Salvador ainda era uma cidade provinciana. Espalhou-se a notícia da morte do Walter. Segundo comentários de pessoas ligadas à família, ela estaria brincando com uma revólver 38 e teria feito um jogo conhecido por ‘roleta russa” que consiste em deixar uma única bala no tambor da arma, girá-lo e acionar o gatilho com a arma encostada ao ouvido. E assim, faleceu um jovem excelente que levou toda a vida brincando de viver!

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 16/05/2016
Reeditado em 16/05/2016
Código do texto: T5636962
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