COINCIDÊNCIA, FEITIÇO OU JUSTIÇA (reeditado)

Sua chapa ganhara a eleição para a diretoria daquele sindicato e ele fora nomeado Tesoureiro. Função das mais importantes, pois nenhum pagamento poderia ser efetuado sem que constasse também sua assinatura no cheque correspondente.

José era honesto nunca havia participado do meio sindical e desconhecia toda a sujeira que rola por trás da “defesa dos interesses da classe”, mas não precisou de muito tempo para perceber o ninho de ratos no qual se metera.

A época de dissídio coletivo, quando era necessário quórum dos associados para que fossem aprovadas as cláusulas desse mesmo dissídio foi quando tudo começou.

Como algumas das cláusulas eram absurdas e, se fossem reveladas completas e claramente aos sócios, evidente que nem conseguiriam ser incluídas no pleito. (Quem aceitaria, por exemplo, um desconto de 15% em seu salário, mesmo que anualmente, para um fundo de assistência e pecúlio, que deveria se destinar a completar a renda dos que recebiam o famigerado "auxilio doença" da previdência e que correspondia somente a 70% do salário do funcionário quando em atividade?)

O tal desconto era uma proposta, aparentemente justa, de complementação dos 30% faltantes.

Em um universo de mais de vinte mil associados o valor arrecadado pela instituição de classe, proporcionalmente ao número dos que, eventualmente, se beneficiavam desse fundo não era nem 10% desse universo. Imaginem a pequena fortuna que sobrava.

Como faziam para obter a aprovação de no mínimo 51% do total dos associados?

...As ratazanas promoviam inúmeras excursões gratuitas a diversos pontos turísticos do país, cuja única exigência era assinar um grosso livro de ata já na terceira folha em branco e anotar seu número de matrícula, o que acontecia na entrada dos ônibus que os levariam aos passeios. Os associados convidados nunca eram os mesmos.

Penso que ficou claro o porquê das três folhas em branco no início do livro. Ali eles escreviam as cláusulas do pleito e esse desconto era incluído. O que nem poderia ser contestado posteriormente, apesar da revolta geral que provocava aos pertencentes a classe.

O tesoureiro desconhecia o “método”, já que o livro lhe foi entregue para que também assinasse só depois de todo o esquema montado, embora lhe parecesse absurda tão imediata aprovação, mas como supunha que o destino da verba cumpriria sua finalidade, relevou.

Após conseguido o “quórum” e aprovadas as cláusulas do dissídio homologado junto ao Ministério do Trabalho daquela maneira que todos conhecemos, só restava aguardar o mês do desconto, que era obrigatório e diretamente no contra cheque dos funcionários, para que os pilantras começassem a se locupletar.

José não concordava com os gastos excessivos impostos por seus colegas de diretoria que passaram a ocorrer e pelos quais, embora não participasse da “mamata” seria obrigado pela necessidade de abonar os pagamentos fraudados (superfaturamentos, compras fantasmas de material etc.), o que não aceitava e como não podiam retirá-lo do posto pelo qual fora “democraticamente” eleito, só haviam duas maneiras de substituí-lo: Quais?

Por motivo de falecimento ou renúncia, e como ele não se dispunha a renunciar e ao contrário cada vez fiscalizava mais para onde era destinado o dinheiro. Começou a receber ameaças de morte até sofrer um atentado do qual felizmente conseguiu sair ileso depois que seu automóvel tivera um pneu furado a bala em uma autoestrada e capotara três vezes.

Daí em diante mais ameaças por telefone diretamente à sua casa onde sua mãe adoentada atendia e escutava coisas do tipo:

- Avise a esse seu filho que os dias dele estão contados, ele vai morrer.

Agravado pela ansiedade e aflição que passou a viver seu estado de saúde piorou sensivelmente e veio a falecer. Seu marido sabia de toda a história e também de onde partiam as ameaças, pois também atendera a algumas dessas chamadas e por mais, que as vozes fossem disfarçadas, as reconhecia.

Diante do tesoureiro os outros diretores se comportavam como amigos e assim se faziam parecer também para sua família.

No momento do enterro da senhora todos presentes fingindo consternação perceberam, que ao fechar o caixão, o esposo colocou em seu interior um pequeno pedaço de papel dobrado e amarrado a uma pequena cruz de madeira.

E quando os diretores se dirigiram a dar-lhe as condolências, ouviram do senhor em voz pausada e calma:

- Muito obrigado pelo sentimento que agora demonstram, mas como já esperava e sei que não são sinceros, pois indiretamente vocês a mataram. Quero que saibam que naquele pedaço de papel que depositei sobre o corpo de minha esposa estão os nomes de todos vocês e espero que a justiça de Deus não tarde.

Imaginem o constrangimento e mal estar que o fato causou, pois o senhor abraçou-se ao filho, deu ás costas e se retirou, deixando todos boquiabertos a apreensivos.

Quem gostaria de ter seu nome acompanhando um corpo ao ser enterrado, ainda mais tendo parcela de culpa pela morte da pessoa?

José terminou por renunciar ao cargo.

No espaço de dois anos, o presidente entrou com seu carro em alta velocidade sob a traseira de uma carreta em uma autoestrada e morreu decapitado. O diretor de patrimônio suicidou-se num banheiro de um bar, após descobrir que a mulher o traía. O secretário geral foi empurrado por um grupo de assaltantes do alto de um viaduto e faleceu sobre a linha férrea, e o vice-presidente, quem se supunha era o mentor de todas as tramas morreu afogado em um naufrágio durante uma pescaria em alto mar.

Coincidência, feitiço ou justiça?

(Esse não é um conto de terror, mas certamente foi e também de apreensão para os que viveram os dois anos após a morte da senhora, a medida em que as fatalidades aconteciam a cada um dos envolvidos)

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 19/05/2016
Reeditado em 18/05/2020
Código do texto: T5640695
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