O menino do gorro azul

Como disseram certa vez, o último a saber foi o que estava mais interessado. E mesmo quando falar palavras amargas, e mesmo quando ouvir falar das mesmas, vai se lembrar do seu doce momento, que o satisfez por uma vida.

Era simples rapaz sem barba, cujas maiores posses era um gorro azul e um sonho , e que ao sentir que a linda estudante se aproximava, arrumava depressa os cabelos, e se olhava no caco de espelho, e mesmo descontente com a aparência se assumia.

Quando de vez em sempre a jovem aparecia, a cumprimentava baixando de leve a cabeça, sorrindo sem graça, piscando profundo os olhos como se afastasse a vergonha de estar em sua presença. Era o mesmo movimento todas as vezes que ela passava, e era como se aquilo bastasse para lhe convencer de que ela era sua.

Ele não tinha mais que dezesseis, ela pouco menos. Todos os dias, depois de avistar sua flor, voltava para casa e não parava de pensar nela um segundo sequer. Imaginava como seria bom se ela soubesse de seus sentimentos, interpretava uma possível correspondência, mas nada fazia. Talvez pensasse que podia partir dela a iniciativa.

Certa vez, quando enquanto repetia religiosamente seu movimento ao cumprimentar a moça, notou de leve um brilho nos seus olhos, e um certo envergonhar da parte dela, que se comprovou pelo leve acelerar de passos, quase correndo, para chegar depressa à escola. Ele simplesmente não acreditou no que havia visto, e o que antes era só sonho agora tinha condições de se tornar real.

Ensaiou como numa peça de teatro, toda a noite, a possível primeira conversa. “Bom-dias” e “Como-vais” foram treinados com diferentes tons, e os gestos eram meticulosamente organizados. Cada minuto seguia uma cartilha de movimentos e palavras que deveria usar para se sair bem, e causar a melhor das impressões. Às vezes exagerava na imaginação, pensando num possível beijo.

Com o repertório não havia mais falhas, ensaiara a noite toda. O problema estava agora no figurino. Pediu a sua mãe que lhe preparasse uma roupa que não fosse tão usada, mas que fosse ideal para uma ocasião especial. E assim a mãe do menino fez, pegando algumas roupas do seu pai, que lhes caíram muito bem por sinal.

Saiu atrasado no dia seguinte. Não poderia haver atraso no dia de sua estréia. Fazia frio, por isso levou seu gorro azul, que não combinava nada com sua roupa. A pressa somada à falta de atenção o fez esbarrar num arbusto de plantas espinhosas, o que lhe rendeu alguns cortes em sua roupa. E como se não bastasse pisou numa falsa poça de lama, que ele julgava ser rasa. Chegou sujo, com a roupa rasgada e suada ao seu palco. Percebeu que a menina estava se aproximando, e num movimento de impulso resolveu arriscar. Tirou seu gorro, o que fez com que piorasse sua imagem agora de cabelo bagunçado, estendeu o braço com o gorro pra cima, e ao tentar balbuciar o seu primeiro “bom dia”, escutou o tilintar das moedas que ela depositara no gorro. Agradeceu a bondade da moça, recolheu o dinheiro e o colocou no bolso, pôs de volta o gorro na cabeça e saiu caminhando errante. Não sabia para onde ia, porque a cada passo seus olhos ficavam embaçados pela umidade das lágrimas seguintes ao choque. E assim seu monólogo durou pouco tempo em cartaz.