DOAÇÃO EM VIDA

Alguém ali passava distraidamente, mas não o bastante distraído para não observar o que por ora resolvi lhes contar...

CENA UM:

Aquele pequeno casal de crianças espiava o corredor da enfermaria, a aguardar pela visita do médico pediatra do dia.

Desenhos animados saltavam das paredes grafitadas, e adentaravam os seus aposentos,a alegrar a infância resignada aos "ires e vires"daqueles árduos e costumeiros passeios, agendados nos hospitais de doenças graves,onde tratamentos heróicos lutam pelas últimas gotas de vida.

Seriam crianças comuns, como tantas outras, não fossem a precoce carga de sofrimento e a constante necessidde de também tão cedo, praticarem a solidariedade.

A menina magérrima descansava a cabeça calva e recém suturada entre os joelhos estremecidos da mãe, que em pé, divagava o olhar para o nada, provavelmente perdida naquelas questões para as quais a vida nem sempre nos dá a resposta que gostaríamos de ouvir.

Com dificuldade, mal conseguia se movimentar e se comunicar com a mãe.

Mas o menino da enfermaria ao lado,ainda sem grandes sinais de sofrimento visível,tagarelava com a amiguinha de adversidade, tentando chamar-lhe a atenção para o desenho da parede...

-Olha, olha que legal, um Pato Donald!

Não obteve resposta.

CENA DOIS:

Na semana seguinte, aquele alguém novamente passava por ali.

Sobre uma cadeira de rodas, aquela menina era empurrada pelo amiguinho, pacientes muito pacientes e alegres com a vida, que viajavam pelo mesmo corredor de personagens das estórias infantis , que nem sempre correspondem aos contos de fadas.

-Você viu como sou forte? Tenho só seis anos e já consigo empurrar a minha amiga que já tem dez!

Sim e como podia! Sequer imaginava com que força também "empurrava" aos demais anônimos aos seus olhos, à sua solidariedade e à sua ternura.

A garôta, dessa vez, lhe respondeu com um sorriso.

Seis ou dez anos...ali era o que menos importava.

E vinte, cinquenta ou oitenta...aqui é o que menos importa!

Tão pequenos...e tão sábios! Sabedoria de alma...que não tem idade!

Instintivamente já sabiam e ensinavam...que a felicidade de se doar vai muito além de qualquer porção de tempo que as mãos da vida...tão precocemente possam nos negar.