João de ninguém

Lembra desse joão ninguém aqui? Esse aqui ó, na reportagem. Com foto de corpo e entrevista de mãe. Então, quando joão ninguém morreu, virou notícia, você não lembra? Lembra de comentarem no Facebook? Deixa eu ler aqui pra você.

“Menos um!”, disse um, com foto sorrindo ao lado da mulher.

“Que absurdo!” disse uma menina respondendo.

“Bem feito!”, disse um com verde e amarelo na foto.

“Bandido bom é bandido morto!”

“Como você sabe que é bandido, você ao menos leu a notícia?”

Logo o negócio ferveu, foi uma curtição só. 56 para um, 23 pra outro e só na primeira meia hora, tá vendo? Lá no meio começaram até com umas opiniões e sugestões de melhorias: “uma solução final pra acabar com esse mal”.

De quem se condoía, só lágrima sem histeria, com aquela carinha digital. Conformada.

Quem clicou viu umas fotos, olha só: joão morto. Nenhum que deixou pageview, sentiu o que foi estar perto de joão.

A foto do corpo estirado, rosto para baixo, sangue seco e furo traspassado no peito até as costas ainda estão lá pra você ver. Que bom que não têm cheiro e que não passa pela tela do computador. Deixa pra mãe que ficou com uma puta duma dor.

Quem matou joão então, você me pergunta. Isso eu não sei, não saiu na foto, não deu entrevista, ninguém me contou, nem estou sabendo de nada. Nada. Não é o que eu quero te dizer.

Quem, em nome de deus, batizou aquele homem de joão ninguém. Desse jeito mesmo, com “j” minúsculo e sobrenome ninguém.

Não. Não estou chorando, meu amigo. Não era ninguém para joão e joão não era ninguém pra quase ninguém.

O que me mata por dentro, meu amigo, é que eu não estou chorando por ninguém

Davenir Viganon
Enviado por Davenir Viganon em 30/07/2016
Código do texto: T5714012
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