Ei, vô!

G: - Ei, vô! O que o senhor está fazendo aqui fora?

S: - Estou pensando na morte da bezerra, pequena.

G: - Ahn?!

S: - É uma expressão antiga. Quis dizer que estou pensando na vida, em como as coisas mudam.

G: - Que frase mais sem sentido! O que a bezerra tem a ver com a vida?

S: - Não faço a menor ideia, meu amor. Meus pais costumavam dizer essas palavras, uso pelo vício.

G: - Eu hein! Acho que o senhor devia deixar essa doideira pra outra hora. Tá muito frio!

S: - Na verdade, o tempo está ótimo. Você sabia que esta região era muito mais fria quando eu tinha a sua idade? Seus bisavôs construíram a casa em 1941 e, na época, os invernos eram sempre gelados e muito úmidos. Lembro-me de acordar pela manhã e ver as gotinhas de orvalho nas plantas do pasto.

G: - Que massa! Aposto que era muito bonito.

S: - Era lindo. No lago, o frio congelava a parte superior da água e criava uma nata de gelo. Eu costumava brincar de jogar pedras e fazer furos na superfície, dizia que os buracos eram pros peixes conseguirem respirar.

G: - Que graça! E seus pais não tinham medo de deixá-lo brincar tão perto da água?

S: - Ah, eu geralmente não permitia que eles soubessem. Papai ia pra roça bem cedo e mamãe trabalhava o dia todo. O segredo era sair sempre depois do café da manhã e voltar antes da hora do almoço, depois, sair e tornar a aparecer antes do jantar.

G: - Só na marotagem, né?

S: - Para tudo dá-se um jeito. O único problema eram os dias de chuva. Mamãe pregava os olhos em mim e não me deixava sair do quarto.

G: - Ué, por quê?

S: - É que, de vez em quando, chovia granizo. Naquele tempo, as coisas eram muito simplórias. Quando acontecia, o telhado estragava, os animais se machucavam e parte da plantação ia pro brejo. Era terrível!

G: - Imagino que a bisa morria de medo de você se ferir. Mas, me diz uma coisa: como vocês se recuperavam do prejuízo?

S: - Não nos recuperávamos, eu acho. Na verdade, eu era muito pequeno pra pensar nessas coisas. Eu tinha ódio da chuva, talvez por influência dos meus pais, mas de certo por não poder brincar. Toda noite eu ficava aqui fora, esperando pra saber se ia chover ou não.

G: - Não fala bobagem, vô! Em 1941 vocês provavelmente não tinham nem um rádio. Como você ia ficar sabendo da previsão do tempo?

S: - Mocinha, quem foi que disse que preciso saber a previsão do tempo pra dizer se amanhã chove ou não? Olhe para o céu.

G: - Uhum... Que tem o céu?

S: - Você está vendo alguma estrela?

G: - Não, vô. Não tem nenhuma estrela.

S: - Pois é! Então amanhã vai chover. Possivelmente esta noite. Acho melhor entrarmos e fecharmos as janelas.

G: - Ei, vô! O que o senhor acha de ficarmos um pouquinho mais? Gostei dessa coisa de pensar na morte da bezerra.