Ele e Ela

Não era só verdade

Era Também Ilusão

saiu do meu peito o meu amor

e virou só solidão...

Ela correu. Correu até ficar sem fôlego, mas ele não parou, não a viu. Estava tão entretido em seus problemas que não viu a solução. Ela sorriu, sabia levar a vida com bom humor – “Tudo bem! Eu espero o próximo e te alcanço!”.Tudo bem que estava um pouco perdida e Ele era um freqüentador assíduo daquele caminho, mas em nenhum momento duvidou que Ele realmente não a viu. Sabia como Ele era se estava concentrado em algo o mundo se apagava mas Ela era uma luz que não se apagava nunca nele, mas mesmo assim por quantas vezes Ele já havia deixado de apanha-la em algum lugar estando em casa pensando nela? Uma figura daquelas especiais de colecionadores.

Pegou o próximo, um pouco incerta se era aquele ponto mesmo saltou do ônibus na travessa sul, andou um pouco e logo viu a igrejinha amarela no final da rua, era ao lado dela que precisava ir, olhou no relógio, relógio antigo que ganhou de presente de sua avó, adorava ele mas era mais pelo significado e sentimentos que ele guardava do que pelo próprio objeto em si – “ Puxa! Atrasada de novo” – Era sempre assim! Se queriam que Ela chegasse no horário era só dizer um horário falso – “Amanhã é 7h30 viu?!” – Mas na verdade era ás 8h00, um dia descobriu e aí é que chegava tarde mesmo, sempre tinha certeza de que tinha mais meia hora...

Ele? Um viajante em seus pensamentos! Adorava a rotina, Ela nunca a suportou...Ele se sentia seguro fazendo sempre as mesmas coisas, colocando em ordem cada livro em sua estante, cada Cd por ordem de estilos em suas prateleiras, tudo o que pudesse ser organizado Ele o fazia. Ela nunca entendeu como ele conseguia manter tudo no apartamento em seu devido lugar sempre! Até o quadro um pouquinho torto que ela deixava ele ia lá e arrumava, aquilo a perturbava. Falar em público pra Ele ainda era um tabu, em outras épocas até nisto ela o auxiliava. Mas era incrível como se alguém se aproximasse com um simples “Bom Dia” Pronto! Em minutos já era o melhor amigo do sujeito e estava ali para tudo. Usava uns óculos maiores que Ele e que eram quase uma “muleta” resolviam o problema do que fazer com as mãos quando estava nervoso, o que acontecia com freqüência. Era só marcar qualquer coisa que Ele estava lá e sempre no horário – “Parece até um relógio” – Ela dizia.

Ele era naturalmente engraçado, sabe aquelas pessoas que contam praticamente uma piada e depois que todos riem muito ele fica com aquela “cara de interrogação” – “Que foi? Porque vocês estão rindo?” – Ele era assim, as crianças adoravam, quando brincava com elas seus olhos brilhavam. Dava pra ver, sempre deixou claro; queria muito ter um filho, uma criança “sua” que seguisse os bons exemplos que ele pudesse transmitir, uma continuação no mundo, a eternidade. Nunca plantou uma árvore, a desculpa era que sempre morou em apartamento. Era péssimo com as palavras e principalmente um eterno critico de si mesmo, por isso um livro era impensável, mas um filho...um filho era possível, quer dizer, quase por que tinha que ser com Ela.Mas Ela, bom...Ela nunca achou que daria conta de ser mãe, nunca se achou forte o suficiente pra dar este passo.

Começou em um outono, porque as folhas caem, se renovam, porque é o tempo de frio com sol onde folhas dançam com o vento e a brisa levou um até o outro. Eram opostos! Acho que foi o que ajudou pra que ela ficasse tanto tempo...uma vida. Tantos descobrimentos. Um encontrava no outro o que faltava em si...por vidas e vidas estiveram enamorados...como almas gêmeas sabe? Mas um dia a mesma brisa que os uniu os separou. Você mesmo não já disse ou ouviu alguém dizer que as coisas mudam e o mundo gira? Pois é, girou!

Pra ajudar naquele dia caía um “toró” – “Entrar lá com a calça molhada até o joelho é o fim!” – Realmente não conheço até hoje ninguém que goste dessa sensação. Manhã chuvosa , atrasada e molhada, realmente não era o seu melhor dia. Lá no local estava um alvoroço só, aquele monte de gente ansiosa, mais uma reunião depois de tanto tempo sem nenhuma noticia...Só não tinham se esquecido porque era impossível esquecer as coisas maravilhosas – “Até que enfim cheguei! Pensei que essa ladeira não ia acabar nunca” – Todo mundo se virou, também ela sempre chamava atenção por onde andava, muitas vezes a escutei dizendo: – “Sou uma Drag Queen que deu certo!” – Um escândalo, mas sempre encantadora.

Ele estava nervoso, seu coração sempre se desesperava quando Ela estava por perto, derrubava o que tivesse em sua frente para cumprimenta-la e Ela...Ela sorria um sorriso largo e brilhante como um sol. Um homem de cabelos grisalhos, olhos azuis profundos, cheio de pose de galã de cinema deu sua ultima tragada em seu cigarro, jogou a fumaça para o alto, tossiu, afundou o cigarro no cinzeiro e pediu atenção – “Bom Dia a todos! Acredito que todos devem estar se perguntando o que fazem aqui depois de cinco anos, mas mesmo com a dúvida nenhum de vocês cogitou a possibilidade de faltar a esse encontro, porque sei que todos aqui estão cheios de vida, todos aqui nutrem numa caixinha dentro de si saudades desse nosso passado...Precisávamos estar aqui estava escrito ” – E com uma grande gargalhada encerrou seu discurso dizendo: – “Vencemos tudo! Estamos aqui!” – Uma porção de risadas contidas inundou todos, mas ninguém ousou dizer algo, quando este Senhor falava era assim...Um pouco mais de silêncio e Ele fez todos gargalharem ao cair da cadeira desajeitado, todos menos Ela. Olhou séria pra Ele e pensou – “Como alguém pode se manter do mesmo jeitinho depois de tanto tempo?” – Ele podia, como já disse era uma figura.

Quando todos silenciaram Ela jogou para o ar a pergunta – “Porque? Porque estamos aqui?” – Era sempre a que mais questionava, queria saber de tudo, explicava que era sua natureza,se não soubesse ou tentasse saber morreria. Sempre exagerada. Todos pareciam se identificar com aquela pergunta, não sabiam ao certo, mas estavam tão concentrados em sua viaje ao passado, em suas lembranças de todos estes rostos em uma outra época que ninguém precisava saber, exceto Ela que tinha que saber de tudo. O Senhor de cabelos grisalhos não disse, levantou-se começou a recitar : – “Juntos percorremos caminhos” – Um a um foram se levantando

– “Encontramos soluções” – “Discutimos idéias” – “Vimos paisagens e sonhamos” – Vimos desenhos em nuvens” – “Fomos juntos para o mundo da fantasia” – “Sentimos o nosso coração bater no mesmo compasso” – Ele gaguejou na sua, por um momento até pensou que não se lembraria, mas letra por letra a frase foi saindo do seu coração – “aqui dentro do meu coração era amor, era verdade mais tarde com um aperto no peito descobri...” – A ultima frase era dela – “...Não era só verdade...era também ilusão, saiu do meu peito o meu amor e virou só solidão” – Um começou a aplaudir os outros acompanharam. Eles se olharam profundamente, esqueceram do mundo, passou pelos dois a idéia de chegar mais perto,será que seria assim tão difícil, pareciam que se aproximassem-se ia doer , ia mexer em algo que aparentemente já estava curado, não estava, foram se aproximando lentamente, houve um abraço forte, um beijo especial, lágrimas. O Senhor de cabelos grisalhos virou-se pra Ela e disse – Viemos aqui para isso!

Thatianny Gonçalves (03/2007)