OLIMPÍADAS: Para que e para quem?!

Ao final da demorada cerimônia de encerramento de mais uma edição dos Jogos Olímpicos, Joaquim abriu os olhos, coçou a cabeça e bocejou com vontade, agindo como quem estivesse acabando de acordar. Em seguida levantou do sofá, desligou a TV e decidiu ir para a cozinha fazer uma garrafa de café forte e doce.

Preferia não ter que pensar em nada, mas não conseguiu evitar a torrente de perguntas que surgiam em sua mente, questionando a necessidade de um país tão pobre e atrasado sediar um evento tão sofisticado e caro. Daqueles que até as nações do chamado “primeiro mundo” enfrentam dificuldades para aceitar e levar adiante.

Não tinha respostas prontas, mas rapidamente começou a se lembrar do dinheiro gasto para subornar os gananciosos membros do Comitê Olímpico, das licitações fraudulentas, do desvio de verbas, dos atrasos na execução das obras de infraestrutura, das muitas obras inacabadas, do aumento da criminalidade, do aumento da inflação, do aumento da dívida pública e do aumento do desemprego.

Colocou a água com açúcar para ferver e se pegou pensando nas longas filas e na falta de informações importantes a que foram submetidos diversos profissionais da imprensa e voluntários. Além dos milhares de torcedores que tentaram assistir (muitas vezes sem sucesso) algumas das competições olímpicas, depois de permanecerem horas em filas mal organizadas.

Tudo isso, sem falar do risco que correram atletas do mundo inteiro, expostos a diversos tipos de manifestações e a algumas balas perdidas. Algo que metade de uma das mais importantes delegações não precisou sentir na pele. Já que muitos de seus atletas foram cortados dos Jogos por causa de problemas institucionais ligados ao uso de substâncias proibidas que visavam melhorar seu desempenho esportivo. Em outras palavras: doping.

Em seguida Joaquim pôs o pó de café no coador e se lembrou do pequeno fluxo de turistas que vieram assistir aos Jogos e da imagem negativa transmitida ao vivo e a cores para todo o planeta. Consequência da grande quantidade de problemas envolvendo aeroportos, hotéis, praias, o alto preço dos ingressos, a Vila Olímpica inacabada, o Centro de Comunicação, os furtos de celulares dos atletas, as vias de acesso ao Parque Olímpico e também as deficientes Arenas Esportivas.

Em geral, construções erguidas às pressas sem critério e planejamento. Com erros crassos de projeto e ainda cercadas de dúvidas sobre as perspectivas de um uso adequado no futuro. Mesmo depois dos gastos terem estourado o orçamento inicial e ultrapassado a extraordinária marca dos quinze bilhões de dólares. Com mais da metade tendo sua origem nos combalidos cofres públicos.

Joaquim começou a passar o café e a sentir o cheiro intenso produzido pela infusão deste. Ao mesmo tempo que passou a imaginar quem seriam os maiores e verdadeiros beneficiários dessa grande aventura. E se a população realmente esqueceria de forma tão rápida tudo de errado e ilícito que havia sido feito em nome do virtuoso lema do Barão de Pierre de Coubertin: “O importante é competir”.

Assim que colocou na boca uma xícara do precioso líquido recordou-se do pífio desempenho da maior delegação do país em uma edição dos Jogos Olímpicos. Ela não havia conseguido ficar nem entre as dez primeiras no quadro geral de medalhas, atrás de países pequenos como a Hungria, a Coréia do Sul e a Holanda. Fato considerado como uma vergonha nacional, do ponto de vista do investimento realizado e das falsas expectativas criadas pelo governo e pela mídia especializada.

Na mesma hora ele concluiu que foram festejos e expectativas demais para medalhas e recordes de menos. O que lhe pareceu um resultado bastante natural, diante da enorme pressão psicológica exercida sobre os atletas e da curta e inadequada preparação que quase todos tiveram. Mesmo com a torcida apoiando, e em muitos casos, até se comportando de maneira hostil e inadequada ao presenciar diferentes competições.

Joaquim também ficou com a impressão que a Ginástica Artística e o Vôlei eram das poucas modalidades (além das náuticas) que haviam se preparado bem e conseguido alcançar uma performance razoável. Compatível, ao menos, com seu estágio de evolução e a recente regularidade em competições internacionais. Mesmo assim, muito pouco para uma nação com um território e uma população tão grandes; e com um orgulho e uma vaidade inexplicavelmente desproporcionais.

Talvez por isso, a imensa maioria dos atletas tupiniquins tenha demonstrado ter mais jeito de vítima que de herói. Torturando a si mesmos e sofrendo com o descaso de sempre em relação à quase todas as atividades esportivas. Precisando conviver com a cobrança descabida daqueles que ainda não conseguem entender muito bem como as coisas funcionam no Sistema Capitalista.

Por essas e outras Joaquim acabou se esquecendo completamente das míseras medalhas obtidas no Judô, no Boxe, no Atletismo, no Taekwondo e no Tiro. Contudo, vivendo em um lugar tão inseguro e violento isso parecia ser apenas mais uma daquelas contradições inerentes ao país. Algo para ser encarado tão somente como uma espécie de “piada pronta” e nada mais.

No balanço final prevalecia a sensação de falta de planejamento e continuidade. O que contribuía para produzir resultados aleatórios e campeões esporádicos. Seleto grupo de Super Heróis momentâneos que surgiam e sumiam com muita rapidez. Uma pena!

Estimulado, Joaquim bebeu mais um grande gole de café e se lembrou com raiva da excelente atuação da equipe norte-americana nos Jogos. Ela havia feito “barba, cabelo e bigode”, demonstrando ter o melhor desempenho geral entre todas as delegações. Atingindo com isso um número de medalhas e recordes sem precedentes. Capaz de impressionar qualquer ser humano, independente da nacionalidade, ideologia, raça ou credo.

Um resultado justo e naturalmente esperado, em se tratando de um povo que sempre privilegiou a massificação da prática esportiva e nunca deixou de investir na base da pirâmide. Identificando talentos e formando atletas, técnicos e dirigentes do mais alto nível, nas mais diversas modalidades, geração após geração. Simples assim.

Estava realmente tão fácil que quatro atletas da natação americana decidiram procurar um outro tipo de diversão. Eles se envolveram em uma aventura mal contada que acabou virando "caso de polícia". Fato inusitado que não chegou a atrapalhar tudo que havia sido conquistado e nem aquilo que ainda estava por vir.

Nesse momento surgiu em sua mente a ideia de introduzir o pequeno Gabriel no universo esportivo. Seu garoto estava prestes a completar quatro anos e precisava conhecer e praticar alguns esportes. De preferência que fossem olímpicos e coletivos, para que não fosse necessário bancar quase tudo sozinho.

Por outro lado, imaginou que seria muito legal se ele viesse a se tornar um novo Bolt, Phelps ou Mo Farah. Ou quem sabe até uma nova Elaine Thompson ou uma Simone Biles. Elaine? Simone? Pensou bem e concluiu rapidamente em voz alta: "Isso não. Acho que não. Melhor não, né".

Em seu íntimo, admitia que poderia ser qualquer coisa, menos o futebol. Infelizmente a modalidade contava com prestígio demais para bons exemplos de menos. Ainda que tenha chegado finalmente a uma inédita medalha de ouro, após derrotar e empatar com equipes bem mais fracas (tudo cachorro morto) ao longo do torneio. Com a honrosa exceção do jogo final.

No fim das contas Joaquim já não possuía mais dúvidas. A resposta para a pergunta inicial era: Não havia mesmo necessidade de uma nação tão pouco desenvolvida (em termos culturais, econômicos e sociais) sediar uma glamorosa e cara edição dos Jogos Olímpicos de Verão. Mais um absurdo que passava a fazer parte da fatídica História do instável e turbulento continente latino-americano.

Entretanto, ele não queria ser visto como pessimista e nem ser chamado de “estraga prazer”. Assim, preferiu ignorar olimpicamente seu raciocínio, resolvendo dar vazão àquilo que seu coração sentia. Cerrou os punhos, encheu os pulmões e bradou com fervor através da janela do seu pequeno apartamento em um mal cheiroso subúrbio carioca: “Boa! É isso aí mesmo! Beleza pura! Valeu demais. Vamos lá! Força meu B ...”

Mello Cunha
Enviado por Mello Cunha em 21/08/2016
Reeditado em 27/08/2016
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