Valentina

Soube da história por um amigo de infância. Nascemos e crescemos na mesma cidadezinha interiorana. Eu fui em busca do mundo; ele preferiu a vida pacata das Minas Gerais. Mas nunca deixamos a amizade esfriar. As cartas eram frequentes. Muito fervoroso, não perdia uma missa e quedava-se atento à homília do domingo. E foi num desses domingos de missa contrita que lhe confiaram a novidade. Assim que chegou a casa, apressou-se a me contar o fato em longa carta. O texto mais parecia uma narrativa escolar, mas prendeu-me a atenção, completamente.

Tarde da noite, muita chuva e frio, um táxi parou em frente à pensão de dona Socorro. Mulher forte, prática, conhecida por dar abrigo às garotas do campo que vinham tentar a vida na cidadezinha, sonhando, na verdade, com a capital. A pensão de d. Socorro era o primeiro passo. Pois bem, o taxista e a dona da pensão ajudaram uma das garotas a entrar no carro que partiu imediatamente rumo à Santa Casa, único hospital da região.

Depois de muitas dores, uma menina nasceu.

A mãe, prostrada pelo esforço, com as roupas encharcadas de suor, não ouviu o nome que o orgulhoso pai pronunciou: Valentina! ao curvar-se para beijar a menina e sair em seguida tão apressado como chegou.

Quando acordou, horas depois, já de manhã, a garota olhou a sua volta. Viu suas roupas limpas e dobradas sobre uma cadeira. Tentou lembrar-se da noite anterior. Um choro de recém-nascido trouxe-a à realidade. Sim, o bebê! Duas leves batidas na porta. Uma enfermeira entrou com a criança que, inesperadamente, parou de chorar. Sem dizer nada, a enfermeira colocou-a nos braços da mãe que ria e chorava num misto de espanto e alegria.

A garota apertava a pequenina contra o peito, como se as duas fossem uma só. E o pai, alguém o avisara? Sabia do nascimento? Perguntas sem respostas. A enfermeira saíra em silêncio.

Novamente dois toques. É preciso trocar-se. Dê-me o bebê. Com esforço, levantou-se e começou a vestir-se. Estava a pentear-se no pequeno lavatório quando ouviu a porta bater.

A enfermeira havia desaparecido. Nesse momento, o sino na igrejinha ao lado tocou. Era hora da missa.

Naquele dia, a homília foi ainda mais envolvente. Com brilho intenso nos olhos, o padre falou sobre a riqueza de ter filhos. “Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá. Como flechas nas mãos do guerreiro são os filhos nascidos na juventude. Como é feliz o homem que tem a sua aljava cheia deles! Não será humilhado quando enfrentar seus inimigos no tribunal. Salmos 127:3-5

Os fiéis, encantados, entoaram o hino de louvor, acompanhados pelo choro sentido de um bebê.

Fiquei a pensar no que acabara de ler. E a garota? Qual seu paradeiro? Voltou à pensão de d. Socorro?

Desesperada, jogou-se nos braços de sua hospedeira. Minha filha, a vida tem dessas coisas... Poucos dias depois, sumiu. Ninguém mais ouviu falar dela.

Mas Valentina crescia em beleza e graça.

Anna del Pueblo
Enviado por Anna del Pueblo em 24/09/2016
Reeditado em 17/10/2016
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