Idiota

Certa vez uma amiga me liga desesperada porque tem algo importante para contar. Então nos encontramos no lugar combinado e ela me entrega uma caixa. Eu pergunto o porquê e ela me diz que era da nossa amiga Juliana. Me lembro pouco dela, faz tempo que não a vejo...perdida em meus devaneios ela chama minha atenção e insiste para que eu abra. Dentro tem algumas cartas, umas fotos do colégio, uma foto sorrindo...lembro do sorriso de Juliana, era encantador, não tinha como esquecer; tem também um caderno que ela me entrega dizendo ser um diário e indica a página para que eu leia.

“Que burra e idiota eu sou!” começa a frase do diário “Aliás nunca pensei que fosse chegar a esse nível de burrice. Passo horas e horas em frente a tela do computador vendo o nada, porque nada me interessa.

Só vem angústia e tristeza e raiva de mim mesma...

Primeiro deixei passar o amor que tinha nas mãos e agora estou solitária. Amor é uma palavra muito forte e eu gosto dela, mas às vezes nos fazem sofrer.

Amava um e não fui correspondida enquanto outro me amava e o que fiz a respeito? Nada. Simplesmente nada. Deixei que ele escapasse, porque queria alguém melhor; vai ver ele encontrou alguém melhor...

Uma pessoa que considerava amiga não bastou falar mal de mim, também roubou aquele a quem amava (e ela sabia disso), ou talvez não porque as pessoas não nos roubam de outras, estas fazem apenas suas próprias escolhas...

Escolhas: que difícil fazê-las...

Aonde foi que errei? Fico pensando. Talvez meu erro seja amar demais ou me entregar demais e esperar que o outro faça o mesmo. Mas me disseram que amor não espera nada em troca. Pois o que devo fazer? Devo esperar resignada ou lutar? Lutar pra quê? Por quem?

Minha família está tão longe. Não os visito há anos na pequena cidade onde meus pais moram.

Então ainda há esperança para mim? Uma garota de cidade pequena que acredita no bem, no amor e que faz de tudo pelo outros e que vem pra cidade grande com esperança e que percebe que seu coração foi inúmeras vezes despedaçado?? Ainda há esperança?

Sei que choro e lágrimas não resolverão meu problema, mas o que devo fazer? Desistir ou lutar, lutar ou desistir?

Me lembro que meu pai sempre falava ‘Lute com fé! Acredite!’ então já tenho minha decisão: desistir nunca foi uma opção, isso que minha família me ensinou e que ensinarei pros meus filhos e que eu devo ter esperanças (sim, esperanças) de conseguir um futuro melhor.

A partir de hoje não me chatearei mais com coisas pequenas e vãs porque meu coração será todo amor, e eu transbordarei amor porque afinal não sei viver sem ele, e que seja o que Deus quiser, e o que vier será bem recebido. Esperança. Amor. Compaixão. Liberdade. Felicidade...”

Minha amiga de frente pra mim já em prantos coloca as mãos no rosto e não consigo entender. O que tem haver toda aquela situação? Ela me diz que Juliana alguns meses depois desse escrito encontrou um novo amor, ficou grávida, mas não pode ter o filho porque a quimioterapia não permitiu. Ela lutou até o fim dos dias mas não conseguiu resistir. Pediu ao marido que entregasse essa caixa a sua grande amiga e que lhe dissesse que não havia mágoas entre elas, e que ela disse isso sorrindo...

Fico extasiada e consigo entender que aquela minha amiga também era de Juliana, e que ela a traiu e àquela a perdoou.

A mulher de frente pra mim com os olhos inchados de tanto chorar me diz que Juliana no seu leito de morte pediu que o marido fizesse isso para que a amiga não se culpasse tanto e que fosse feliz independente de tudo e que fizesse tudo com amor por mais que parecesse idiotice.

Dou um abraço nela e digo as únicas palavras que me veem a cabeça: ‘somos todos idiotas amiga, somos todos...’