Minha querida tia Idalina...

Tento imaginar o tamanho das asas da minha mãe para abrigar todos os filhos e ainda esticá-las a quem precisasse... Lembro-me quando éramos crianças, na Vila Nivi, da ajuda do Sr. Domingos, da quitanda, na esquina da rua Baltazar de Morais, nos dando frutas da D. Tite, madrinha da minha irmã, que nos dava roupas e brinquedos dos seus filhos e nos deixava assistir TV aos domingos, da dona Madalena, que sempre nos ajudava... do Sr.Waldomiro, farmacêutico, este sim eu odiava... Mas, hoje, eu o agradeço e muito!!! Era ele quem nos socorria nas doenças quando minha mãe não tinha recursos...

Lembro do meu irmão enrolado em um lençol igual a um charuto, sem movimento nenhum e ele dando pontos em seu pé cortado. Aquele dia, corri dois quarteirões para não escutar seus gritos, mas não adiantou nada...não existia anestesia e era assim que se fazia. Ele segurava minha irmã caçula entre as pernas imensas e lhe dava injeção, ela estava com pneumonia e foi muito grave. Eu chorava muito ao ver as atitudes dele, mas hoje reconheço o quanto ele nos ajudou...

Tinha uma irmã que desmaiava sempre, nunca foi descoberta a causa. era ele que a socorria e deixava remédios de amostra grátis para todos da família. Mas, a grande ajuda foi da minha tia Idalina, irmã da minha mãe, ela nos salvava sempre... Todo ano ela vinha nos trazer muitas coisas e me levava para passar as férias na sua casa, em Santos, e eu esperava por isso o ano inteiro...

Aí sim eu virava princesa; fazíamos compras na SEARS, e ela comprava roupas iguais para mim e para minha prima Maria Lúcia. A noite, íamos ao culto evangélico e eu ia lá na frente ler trechos da Bíblia, lia bem alto como se declamasse uma poesia... ela tinha muito orgulho de mim e eu me sentia muito importante!

Foi lá que tive o primeiro sentimento de amor, meu coração palpitava ao vê-lo, devia ter uns treze anos e nada podia ser revelado, nossos olhares se cruzavam e eu queria ficar na porta da rua o tempo todo com a esperança de que ele passasse por ali e me visse...

Foram dias de plena felicidade, mas as férias acabaram e tive que voltar... Lembro de ter me despedido dizendo que voltaria no ano seguinte e ele ter apertado minhas mãos e ter me dado um selinho no rosto tão rápido que até me assustou... para completar, ele me deu um LP do Roberto Carlos com a música “Escreva uma carta meu amor” grifada em vermelho.

Mas... eu nunca voltei! Minha tia Idalina faleceu, meus primos ficaram uma temporada conosco e depois foram morar com o pai. Nunca mais esqueci minha tia Idalina, nossos passeios na praia o prazer de comer lanches, milho verde andar de bonde e tomar picolés.

O companheiro dela (pai dos meus primos) tinha um restaurante a beira-mar e nos mandava pratos deliciosos com frutos do mar e sobremesas, tudo aquilo parecia um sonho... Minha tia sempre penhorava suas joias e dava todo o dinheiro a minha mãe quando ela ia nos buscar, dizendo: “Não se preocupe mana, quando eu puder tiro aos poucos da penhora” e isso eu nunca mais esqueci...

Lembro dela deitada no sofá de entrada, assistindo eu e minha prima cantar músicas que até hoje eu me pego cantando nas horas de solidão. Não tenho nenhuma foto dela, mas guardo nitidamente as lembranças dela sorrindo, com seu batom vermelho e cabelos cacheados escuros... Já se passaram mais de 45 anos de sua morte e eu nunca a esqueci. Sua passagem pela minha infância foi tão marcante que muitas vezes me pego triste ao me lembrar dela e de tudo o que ela fez pela minha mãe por mim e meus irmãos... Eu a admirava muito! Talvez, por isso, me olho no espelho e penso: “Nossa como eu me pareço com ela !!!”

Walquiria
Enviado por Walquiria em 28/09/2016
Reeditado em 28/04/2017
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