Vestido de listras...

Até hoje me lembro de um vestido de listras com saia rodada e com um laço na cintura, no qual eu e minhas duas irmãs tiramos uma foto branca e preta, em um fotógrafo na Parada Inglesa, aqueles lamb-lamb daquela época ou melhor de quase seis décadas atrás, isso faz muuuuito tempo... sei que o lugar era muito longe e andamos muito, mas minha madrinha insistiu em nos levar para fazer esta foto, dizendo que ficamos tão lindas iguais, que esta seria uma grande recordação.

Minha mãe comprou de um mascate Sr. Reinaldo, que passava toda semana na porta de casa, lá na Vila Nivi, com uma carroça cheia de retalhos coloridos. Tinha gabardine, chita, algodão cru, cetim, sarja, etc... aquilo era um colírio para os olhos da minha mãe, já que ela costurava e todos aqueles tecidos deviam representar um sonho, pois me lembro dela passando as mãos calejadas e grossas, mas com um carinho inigualável por todos eles... Imagino o quanto ela gostaria de ter parte deles, para confeccionar tudo o que pudesse para nós todos.

Certo dia ela comprou uma peça de algodão rústica de listras coloridas, que na época parecia com tecido de colchão, pois as pessoas de poder aquisitivo maior tinham os colchões listrados. Esta peça foi salva de um incêndio na fábrica, por isso estava muito barata e ela arrematou como se arrematasse um gado de grande porte e valor... entrou em casa abraçada com aquele volume ainda cheirando fumaça, mas com muitos planos para usar todos aqueles metros de grandes listras coloridas...

Primeiro ela fez os três vestidos para as meninas, depois camisas igualzinha para os meninos e ainda com os retalhos maiores que sobraram tivemos lindas camisolinhas de alças, e com os retalhos menores daquele tecido mágico e sem fim, ela fez calcinhas para as meninas e calção para os meninos.

Íamos na missa aos domingos, todos iguais, era um enxame de tecido listrado e colorido no meio dos fiéis da igreja onde se notava de longe a nossa presença... Estranho que ninguém ria ou criticava (imaginem se fosse hoje) e até elogiavam o capricho da minha mãe, nós não tínhamos vergonha de sairmos todos iguais, lembro que eu até me achava importante com aquela roupa...

Na hora do catecismo, depois da missa, lanchávamos no galpão da igreja distribuídos pelas irmandades, depois íamos para a sala de oração. Lá chegando a nossa catequista elogiou nossa roupa e o capricho da nossa mãe, eis que minha irmã levanta a saia diz: “Olha a mamãe também fez as calcinhas para nós com o pano que sobrou dos vestidos e as cuecas dos meus irmãos também são iguais!” Todos riram e meu irmão mais velho se retirou correndo, muito bravo e envergonhado, dizendo que nunca mais voltaria na Igreja.

Hoje penso como éramos ingênuos e simples... Vestíamos roupas do mesmo tecido, tanto os meninos quanto as meninas e saíamos felizes apenas por ter uma roupa nova... Usamos aqueles vestidos muitos domingos seguidos na missa, sem nem ao menos termos consciência do que era repetir a roupa. Quando vejo esta foto do trio listrado, olho com muito carinho e sinto uma imensa saudade de todos os irmãos unidos e uma saudade maior ainda da minha mãe...

Walquiria
Enviado por Walquiria em 29/09/2016
Reeditado em 07/12/2016
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