O sorriso da Dona Joana...

Em 1965 eu morava no Jardim Brasil, Zona Norte de São Paulo, as ruas eram de terra preta e o mato imperava na região, eram pouquíssimas casas todas muito simples. Não tinha avenidas, nem ônibus, nem carros circulando... A rua em que eu morava era sem luz e a água era do poço do vizinho, pois nem isso tinha... Estudava no Parque Edu Chaves, no primeiro ano ginasial. Vocês nem imaginam a dificuldade de andar a pé no Jardim Japão e a Roland Garros inteira que era tudo brejo e mato para voltar à noite para casa... Por isso minha mãe com muita insistência conseguiu transferir eu e minha irmã para o Colégio Rodrigues Alves, que na época o bairro era o Parque Rodrigues Alves, depois da Vila Gustavo e próximo a Ataliba Leonel.

Como sempre fui muito comunicativa e logo fiz um grupinho de melhores amigas, a Denise (que nunca saiu do meu coração), a Miriam, a Zizi e a Walquirinha - minha xará que tragicamente cometeu o suicídio aos 14 anos deixando todos sem saber o porquê. Éramos um quarteto de sucesso no ginásio e cometíamos o maior pecado da época "cabular aula" (nossa!). Quantos apuros passamos por isso, temos recordações hilárias desta época da Jovem Guarda, dos Beatles e de filmes inesquecíveis... Os bailinhos da escola e apenas o caminhar pelas ruas da Parada Inglesa, Tucuruvi nos dava um imenso prazer, uma felicidade estonteante...

Eu e a Denise éramos confidentes e mais apegadas, por isso consegui fazer com que minha mãe me deixasse dormir na casa dela algumas vezes, coisa difícil na época, pois não se tinha este hábito. Ela também não tinha pai como eu, e morava em um quarto e cozinha de fundos com uma irmã e um irmão. Sua mãe, D. Joana, era dona de um sorriso largo e maravilhoso e eu me encantava com a bondade e solidariedade que ela me recebia... No quarto tinha apenas uma cama de casal, onde dormiam a D. Joana e as duas filhas. Quando eu estava lá, a gente dormia de atravessado para cabermos as quatro, o que nos fazia parecerem sardinhas em lata enfileiradas... Aos domingos meu sonho era poder assistir o Silvio Santos na TV, que na época só abria os canais depois das 14 horas e comer macarronada feita com extrato de tomate elefante e coloral que era para mim um luxo. Mesmo muito simples minha amiga Denise tinha TV e uma mãe alegre e acolhedora, e eu a invejava...

Passaram-se alguns anos, casamos e nossos maridos também ficaram amigos. Íamos acampar ou almoçávamos aos domingos revezando as casas. Os filhos foram nascendo e mudamos de bairros para mais distantes e nos perdemos de vista, mas nunca esquecemos uma da outra. Décadas se passaram e quando me cadastrei no Facebook ela me encontrou e matamos a saudade a distância... Ai então descobri que a sua mãe D. Joana estava em sua casa muito debilitada depois de longa internação e eu fui correndo visitá-la... Meu Deus que emoção em ver novamente aquele sorriso largo e cheio de alegria ao me rever. Que gratidão imensa eu guardava por aquela mulher que me acolheu quando eu não tinha nenhum lugar para ir aos sábados e domingos, sem nunca ter feito uma cara feia. Que vontade de dizer obrigado milhões de vezes por ter dividido comigo a cama e o macarrão dos seus filhos...

A visitei no hospital algumas vezes e acabou... Não deu mais tempo! Ela se foi e certamente foi encontrar seu filho mais velho o Douglas que partiu tão precocemente desta vida... Ficou gravado em mim aquele eterno sorriso largo e a certeza no olhar dela em ter cumprido com muito louvor sua missão aqui na Terra... Ficou apenas a saudades... Obrigado Dona Joana!!!

Walquiria
Enviado por Walquiria em 05/10/2016
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