Simples e solidário!!!

Morava em uma rua sem saída de terra, ou melhor, de brejo escuro, parece que na época chamavam de charco, era no bairro do Jardim Brasil, esquina com a Av. Jardim Japão, que também era uma avenida comprida de brejo, com matagais imensos dos dois lados e algumas casas muito simples no meio de um terreno imenso e cheio de mato, onde quase todos tinham galinhas e até porcos e plantavam milho em seus quintais, lembro que tinha pequenas hortas de pessoas mais prestimosas que gostavam de cultivar, e algumas árvores frutíferas nos imensos quintais, isto em 1962. O bairro era pobríssimo diferente de hoje que virou um lugar populoso e muito comercial.

Nesta ruazinha, estreita , curtinha e sem saída, tínhamos um vizinho muito bonachão e alegre o Sr. Arlindo, que trabalhava em uma pequena banca de frutas na feira, no final do dia ele chegava sempre com uma caixa de madeira na cabeça e parava na porta de casa dizendo para minha mãe:

" Oi vizinha! Dê aqui estas sobras de frutas prá seus meninos que ainda se aproveita bem.”

E assim ele deixava um pouco das sobras em casa e nós ficávamos felizes com o agrado. Isto se repetia umas duas vezes na semana, pois não era sempre que tinham sobras.

A mulher dele trabalhava no centro, saiam de casa às 4h da manhã, ele para a feira e ela para a fábrica. Suas filhas Célia e Selma foram minhas melhores amigas de infância.

Certo dia ele apareceu com um fusca azul, foi um delírio na rua... todos se sentiam orgulhosos de ter um vizinho com carro, eu então! me achava a tal , pois era amiga da filha do dono do carro (imaginem a minha simplicidade).

Conversa vai, conversa vem, certo dia ele chegou “ouriçado” como dizia ele, pois foi ao centro da cidade e parou o carro em frente ao correio, o guarda se aproximou e pediu a carta. Imaginem que ele falou ao guarda que estava na gaveta em casa, porque "carta nova" o povo diz que não é bom andar com ela, para ser bom na direção tem que ter "carta velha".

Não riam, por favor, porque minha mãe endossou dizendo que era a pura verdade, e nós, os filhos, achamos que ele tinha razão em não andar com a carta nova... Depois de algum tempo, um belo dia ele apareceu com parte da cabeça enfaixada e o olho inchado, minha mãe perguntou se foi acidente. Ele disse mais ou menos, foi o Cristo que me fez isso sem querer. Minha mãe perguntou?

“Ué será que mora algum Cristo no bairro e eu não conheço? “

Não vizinha disse ele:

- Foi o quadro de Cristo bem grande, aquele com luzinha que a mulher tem na parede em cima da cabeceira da cama, despencou a noite e Zuuum na minha cabeça, baixei de madrugada no hospital e tomei um bocado de ponto.”

Estas lembranças são muito boas em minha vida, era o Sr. Arlindo quem nos fazia feliz em algumas tardes com frutas que eu só conheci quando criança, pois eram doadas por ele, foi a Célia (sua enteada) minha grande amiga, da qual eu nunca mais esqueci o quanto nós dividíamos os problemas e gostávamos das mesmas coisas... Foi naquela casa que minha mãe viu seus filhos crescerem, se formarem e se casarem um a um. Quando todos saíram de casa ela veio morar no Ipiranga em um apartamento, onde eu e meus dois irmãos também morávamos.

Estes pedaços de histórias de nossas vidas são sempre lembrados quando nos reunimos para alguma comemoração em família e eu e meus irmãos damos boas risadas...

Walquiria
Enviado por Walquiria em 07/10/2016
Reeditado em 07/12/2016
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