Minhas tias...

Lembro da minha tia Ondina, ela morava na Parada Inglesa, Zona Norte de São Paulo. Era a irmã solteirona do meu pai... Nossa que palavra feia: solteirona! As pessoas pronunciavam baixinho, escondido e com medo. Tinha gente que até batia três vezes na madeira para não acontecer essa desgraça com nenhuma de suas filhas.

E foi assim que eu cresci: tendo medo dessa palavra. Casei-me aos 19 anos, achando que realmente era a hora, pois a gerente do escritório onde eu trabalhava já tinha vinte e cinco anos, e ainda não se casara. Isso era motivo de chacota, as escondidas dos colegas e conhecidos. “Agora não casa mais” diziam alguns, “nesta idade não se escolhe mais”, “tem que casar com o primeiro que aparecer ou se candidatar”, “ou fica para titia”...

Hoje quando vejo as moças completando os trinta, trinta e cinco anos e dizendo: “Calma não tenho pressa!!!”. Ou então apenas morando junto, pois casar já era! “Isso é apenas um papel”. Eu vejo o quanto as coisas mudaram... E filhos então? Acabou a pressa. Mulheres planejam tê-los depois dos 38 anos e dizem que dá muito tempo.

Realmente, casar-se antes dos 25 anos é jogar fora uma parte da juventude e do aprendizado da vida. Aos trinta anos é uma decisão mais adequada e madura se viver a dois. Temos a sabedoria de driblar as diferenças e dar ênfase apenas ao que importa, deixando de lado muitas “picuinhas” o que não é tão fácil assim no dia a dia. Depois dos 35 anos tudo é mais calmo e de um entendimento maior.

Eu esperei minha mãe falecer para tomar mais coragem e começar a amadurecer a ideia da separação, outro tabu de antigamente. Para minha mãe, era uma derrota quando um filho se separava. Mas aceitar a separação das filhas era inadmissível. “Ruim com ele, pior sem ele!” Êta provérbio antigo que se arrastou durante tantas gerações de mulheres...

Aprendi com a modernidade e com minhas filhas, a não estranhar mais nada. O que importa é ser feliz, ter normas e ser um cidadão do bem. Casar ou morar junto é tudo igual. O pior é que é mesmo! Separar e casar de novo também é um ato de ser e deixar o outro ser feliz. E hoje eu também acho exatamente assim!!!

Voltando lá na Parada Inglesa, na casa da minha tia Ondina, onde parte dessa memória foi ficando apagada com o tempo...mas que

alguns detalhes ainda permanecem... Lembro que, às vezes, minha mãe mandava eu e meu irmão levar um bilhetinho para ela. Até hoje imagino que este bilhete pedia algum tipo de ajuda, e minha tia pedia para a gente esperar lá fora, até ela poder se arrumar toda para abrir a porta do quartinho de fundos onde morava para nos atender.

Dizia minha mãe que ela nunca atendeu ninguém sem se pintar com um batom vermelho, fazendo uma pinta de lápis preto acima dos lábios e desfiar aqueles imensos cabelos pretos, prendendo no alto da cabeça e deixando vários cachos encaracolados caídos nos ombros, ela era a vaidade em pessoa.

Suas roupas pareciam de boneca: cheias de fitas e babados. Eu adorava ir até a casa dela, pois eu a imaginava como uma artista. Lembro que próximo a sua casa morava minha tia Yolanda, também irmã do meu pai, e a gente aproveitava para ir também até à casa dela. Ela nos dava uma caneca com café e um pedaço de pão (não lembro se tinha manteiga), mas era delicioso. Tenho saudades dessa minha tia até hoje.

Uma das tias com quem eu mais me esbaldava, era minha tia Cida. Lembro dela sempre sentada na máquina de costura, com uma voz gostosa de ouvir, falando do seu único filho, meu primo do qual eu lembro muito dele com um cabelo loirinho de topete e com um sorriso escancarado...

Ela era uma mulher muito bonita e gentil, nos dava um pedaço de bolo feito por ela e sorria com um olhar de carinho enquanto a gente criança devorava com prazer aquele pedaço de bolo... Para mim estas imagens são inesquecíveis...

Seu filho se tornou famoso nos anos 70/80. Era diretor e ator de filmes nacionais e pornochanchadas com o nome artístico de Deni Cavalcanti. Eu por muitos anos tive uma vontade imensa de procurá-lo e de saber dessas minhas três tias, irmãs do meu pai, do qual eu nunca mais tive contato...

Walquiria
Enviado por Walquiria em 14/10/2016
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