O tímido e a extrovertida

John é um rapaz tímido, nada loquaz, e que interage socialmente como um observador, não como participante. Em ambiente mais cheios, se sente desconfortável: sua boca seca, tem crises de ansiedade, palpitações e acredita já ter sofrido ataques de pânico. Apesar de querido pelas pessoas com quem confraterniza, sua dificuldade em fazer novas amizades e interagir com estranhos o deixa à mercê de seus amigos: quando estes não saem, é obrigado a passar seus finais de semana em alguma atividade solitária em casa. Sua dificuldade em falar ”não” e expressar seus pontos de vista o deixam inerte durante discussões mais acaloradas- seu medo intenso de ser criticado ou humilhado faz com que desfrute muito pouca da vida, acomodando-o a sua rotina. John conheceu Karina num site de relacionamentos, fato que culminou em algo mais sério entre os dois. Imagine aquele casal destoante, o qual recebe com frequência comentários, como: “eles não tem nada a ver um com outro”, “que estranho estarem juntos”, “são como água e óleo”...

Karina sempre foi uma mulher muito gregária. Extrovertida, sempre chama muito a atenção, por onde quer que vá. Carente por natureza, almeja encontrar um homem que lhe sirva de porto seguro; considera-se muito romântica. Com jeito muito sedutor e facilidade em fazer novas amizades, é o tipo de pessoa que nunca deixa aquele silêncio desconfortável imperar soberano numa conversa. Todas essas características encantaram John, que viu suas deficiências sociais supridas pela conduta de sua namorada. Karina é deveras ciumenta, e se sente com sorte por ter encontrado um homem que não interage com tantas mulheres- o relativo isolamento que John mantém das pessoas deixa Karina confortável.

Com o passar do tempo, o dois se desnudam a respeito de suas vidas, se conhecem melhor e começam a ter problemas. Natural, afinal, conflitos são parte de nosso dia-a-dia, e saber solucioná-los é algo crucial. Entre as frequentes reclamações de Karina, está a falta de atenção e descaso de John para com ela. Ela se sente como se não recebesse atenção o suficiente, e ele, acostumado a ser observador e de jeito taciturno, não sente a necessidade de manter contato diário e intenso: suas mensagens no whatsapp são curtas e ele poderia passar dois ou três dias sem ser pegajoso com sua namorada, embora a ame e saiba plenamente disso. O aparente descaso de John incomoda Karina, a faz ter sensação de vazio e sentir profundo incômodo ao acreditar que está sendo ignorada. Sua dificuldade em conter as emoções é grande, e, imediatamente, ela reclama com algum conhecido sobre sua “rejeição”. É dramática e exagera nos fatos, sendo superficial e tendo dificuldade de argumentar de maneira convincente sobre suas divergências com John. Sugestionável e irracional aos olhos de outrem, segue sem pestanejar o conselho de homens e mulheres com quem conversa, muitos dos quais são conhecidos casuais, com quem teve uma ou duas conversas rasas. Ela acredita piamente na intuição feminina e age de acordo com seus sentimentos: planejar nunca foi sua praia, e admite que sempre foi impulsiva.

Instável emocionalmente, seu comportamento volúvel e absolutamente chamativo deixa John inseguro; sua insegurança, por sua vez, deixa Karina incerta sobre suas emoções. Ambos são detentores de uma autoestima em farelos, que desaba perante qualquer crítica, conquanto Karina não transpareça tanto sua fraqueza: é efusiva, extremamente desinibida e adora ser o centro das atenções.

O tempo passa e as acrimônias se tornam frequentes. O relacionamento conturbado é repleto de idas e vindas; insatisfações tomam conta. Karina considera John pouco seguro de si mesmo; John considera Karina exibicionista e extremamente carente, tentando suprir sua necessidade de atenção com qualquer um que lhe ofereça isso. Ingênua, acredita em qualquer palavra doce que entra em seus ouvidos. John sofreu muito com seus relacionamentos, devido à dificuldade que tinha em superá-los após o rompimento; Karina sempre se envolveu em relações fugazes e apaixonadas, as quais sempre terminaram de maneira torturante... E desta vez não seria diferente: após brigas, inseguranças e carências, John rompe com Karina, tornando-se visivelmente deprimido. Desesperado com a situação de rejeição, Karina se entrega a relacionamentos casuais e começa a beber com mais frequência do que já bebia, dramatizando ainda mais sua vida e dando um ar catastrófico a qualquer contratempo pleo qual passava. John sofre pela falta de respeito e consideração pós-término de sua namorada: ela acaba denegrindo ainda mais a sua imagem com seu comportamento flertivo e explosivo, sempre se arrependendo de suas atitudes, as quais visam atenção e gratificação imediata. O relacionamento foi breve e tempestuoso.

Análise:

John tem características de um indivíduo com transtorno de personalidade evitativa. Sempre receoso de receber críticas e rejeições, John se considera tímido e pouco sociável. Sua vontade de se tornar um homem mais extrovertido culminou em inúmeras tentativas vãs de mudar seu jeito inibido. Sentiu-se inferior na maioria das situações e nunca se dispôs a assumir riscos grandes em sua vida- para esses indivíduos, uma vida de conformismo e rotina é praticamente desprovida de alegria e emoções intensas, porém ausente de dor e sofrimento. Seu relacionamento com Karina falhou devido a sua incapacidade de fornecer todo o suprimento de atenção que ela desejava constantemente.

Karina apresenta características de uma mulher com transtorno de personalidade histriônica. Sedutora, impulsiva, ciumenta e com traços de comportamento adolescente, mesmo após seus vinte e cinco anos, aparenta sexualizar todas as suas relações, sejam elas profissionais, sociais ou familiares. John reclama desse comportamento, mas, para ela, é exagero de sua parte, porquanto ela não tem ciência de seu jeito impróprio. Amigos e pessoas da rua consideram Karina a figura dominante na relação. Ledo engano! Apesar do jeito efusivo e manipulador dos histriônicos, eles apresentam personalidade dominada e controlada pelos outros, se adequando ao parceiro a fim de agradarem e se sentirem desejados e seguros. São verdadeiros camaleões, vistos como frágeis, pueris e sem personalidade por aqueles que o conhecem mais intimamente. A falta de dominância exercida por John e sua “rejeição” constante deixam Karina com angustiante sensação de vazio. Os histriônicos geralmente desenvolvem fortes relações com figuras de autoridade, as quais suprem e dão segurança a sua personalidade instável, e o caráter submisso de John destoava dessa necessidade inconsciente. Todavia, o progresso da relação com figuras mais dominantes é o mesmo: um amor inicialmente inflamado e intenso, repleto de devaneio, sucedido de carências avassaladoras, traição, comportamento sexualmente impróprio, ciúme possessivo e rompimento extremamente doloroso, para ambas as partes.

UM VIKING DE ÓCULOS
Enviado por UM VIKING DE ÓCULOS em 18/10/2016
Reeditado em 18/10/2016
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