UM DIA DE POUCA SORTE PARA UM HOMEM TRABALHADOR

Estava prestes ao reinício das aulas e, por conta disto, todos os funcionários da escola ABC, da Diretora, inclusive, aos mais simples serventes, estavam, extremamente, atarefados. Na verdade, estavam correndo na execução dos serviços, que faltavam concluir, para que a escola recomeçasse às aulas num ambiente bastante tranquilo e aconchegante. Tais serviços, compreendiam as tarefas da burocracia, como a atualização dos documentos da secretaria, que abrangiam desde o assentamento dos registros dos alunos até a preparação das cadernetas dos professores, bem como os serviços de pintura e da restauração, em geral, do prédio da escola.

Zé Dinízio, funcionário de apoio e de plena confiança dos proprietários da escola, encontrava-se, também, numa correria desesperadora. Estava, então, responsável pela execução de todos os serviços das pinturas, interna e externa, e de algumas tarefas da manutenção, do prédio da instituição.

Estava, então, envolvido com a pintura de uma sala de aula, que só notou que uma mulher tinha adentrado à sala, quando esta expressou-se:

- Bom dia! Seu Dinízio – falou a proprietária da escola, dona Emiliana, naquela manhã, extremamente, calorenta.

- Bom dia, doutora – respondeu o homem.

Este sorriu para a mulher e prosseguiu:

- Esta sala, já é a segunda que pinto hoje.

A senhora, encarou o homem, deu um riso, como quem estivesse feliz em ver os serviços, de sua escola, estarem sendo realizados, e falou:

- Nós estamos vendo, seu Dinízio, que está bastante estafante para o senhor, sozinho, realizar todos os serviços de pintura e de restauração de alguma coisa quebrada no prédio, mas, na realidade, já foi feita muita coisa. Mesmo, assim, amanhã, vem um rapaz, parente de uma amiga minha, para lhe ajudar. Ele é um rapaz bom e vem, com certeza, para cooperar bastante. A Justina, que é a tia dele, me falou que ele sabe pintar bem e é bastante desenrolado em serviços de alvenaria, ou seja, de pedreiro em geral.

- Se ele for, realmente, bom como a senhora está falando, me ajudará muito. Mas se for como muitos outros que têm aparecido por aqui, só vai atrapalhar. Vamos ver como será ele - respondeu Zé Dinízio, com bastante firmeza, denotando que conhecia, profundamente, a sua profissão. Olhou para a mulher e continuou:

- Doutora Emiliana, amanhã mesmo, no final do expediente, se a senhora aparecer por aqui, eu lhe digo se o cara vai prestar, ou não, para o serviço daqui.

O Zé Dinízio era uma criatura baixinha e de porte físico franzino, mas, apesar disto, era bastante competente no seu trabalho, que exigia, na maioria das vezes, disposição física para desenvolver certas tarefas pesadas que, constantemente, era necessário se defrontar, na sua profissão, além de ser, extremamente, honesto. Estas qualidades faziam com que a doutora Emiliana o respeitasse e gostasse, também, muito dele.

No outro dia, por volta das 9:30 horas, apresentou-se, então, na Secretária da escola, um rapaz se dizendo chamar por João de Maria, mas que era mais conhecido como Galego, e que tinha vindo trabalhar na pintura da escola, uma vez que a doutora Emiliana tinha mando ele vir procurar Zé Dinízio.

Ao ser apresentado ao rapaz, o homem não fora, em princípio, com a cara do mesmo e foi, então, logo, falando:

- Rapaz! Quem trabalha nessa profissão da gente, tem é que chegar cedo para trabalhar para poder o serviço render. Essa hora que você está chegando, já é bastante tarde para se iniciar algum serviço.

Na realidade, os dois homens, sem mais nem menos, adquiriram, de imediato, uma antipatia mútua e o pior é que, a partir daquele instante, jamais procuraram esconder tal sentimento. O João de Maria, ou melhor, Galego, como gostava de ser chamado, por sua vez, fez um ar de quem não tinha de nada gostado da intervenção de Zé Dinízio, mas esquivou-se de dar uma resposta desaforada, limitando-se a responder:

- Não pude chegar mais cedo, mas estou pronto para começar a trabalhar.

- Se é, assim, vou lhe levar para pintar a parede da frente da escola – respondera, de forma seca, Zé Dinízio.

Após o Galego escutar, atentamente, às explicações, do chefe, sobre o serviço que deveria executar, expressou-se, com certo ar de ironia:

- É preciso que eu soubesse voar para poder pintar um paredão desta altura. Você não tá vendo que esta frente tem uma altura muito grande pra gente pintar sem nenhum cavalete ou andaime próprio.

O Galego, por ser um indivíduo de uma altura significativa e portador, também, de uma boa estatura física, não teria, sem sombra de dúvidas, dificuldade alguma para executar o serviço e Zé Dinízio sabia, perfeitamente, disto, uma vez que ele, de altura, bem como porte físico, bem menores do que o rapaz, já executara tal serviço, várias vezes, e de forma bem tranquila. Pela sua larga experiência, então, não teve nenhum receio em manter a aludida tarefa:

- Eu sei que é alto, meu amigo, mas com uma escada boa e grande, como a que nós temos guardada, lá dentro, no depósito, o serviço será uma moleza. Eu já fiz isto muitas vezes – respondera, bastante firme, Zé Dinízio.

Sem outra opção, o rapaz, mesmo com a cara trombuda, começou a executar o serviço determinado pelo seu chefe e só voltou a dialogar, com este, inclusive, com a cara, ainda, bastante sisuda, na hora de largar o serviço para a hora do almoço.

- Até mais tarde.

- O horário do expediente da tarde começa às 14:00 horas – explicou-se Zé Dinízio de uma forma, também, bastante carrancuda.

- Eu sei das minhas obrigações, cara – respondeu o rapaz, com um tom de voz alto, já bastante zangado com o chefe. Deu meia-volta e saiu.

Apesar do alerta, feito por Zé Dinízio, sobre a hora do expediente da tarde, o Galego só retornou para o trabalho por volta das 15:30 horas. Assim, o chefe não perdera a oportunidade para reclamar, mais uma vez, do mesmo:

- Desse jeito, nós vamos terminar o ano e você não vai acabar de pintar aquela parede. O horário da tarde começa às 14:00 horas, rapaz, e você vem chegar aqui quase na hora de largar do serviço. Assim, não vai dar certo, não, meu amigo.

- Do meu horário, quem sabe sou eu. O importante é fazer o serviço. Quando eu não fizer, você pode reclamar comigo – retrucou Galego, também, de forma desaforada.

- Eu não vou discutir com você, não. Vá embora trabalhar e depois nós conversaremos com a doutora Emiliana sobre o seu comportamento – respondera Zé Dinízio, procurando evitar polêmica com o rapaz.

No entanto, engolira, digamos, em seco, a resposta debochada do Galego:

- Pode ir falar com ela. Ela é muito amiga de minha tia e, com certeza, ela não vai deixar de dar razão a mim para dar a você.

Sem mais incidentes, o expediente terminara e Zé Dinízio não chegara a ver o Galego, outra vez, naquela tarde. No entanto, no final do dia, fora conferir o trabalho do mesmo e não constatara nenhuma anormalidade. “Esse cafajeste, parece que sabe trabalhar” – pensou.

Na realidade, o rapaz denotava saber executar bem os serviços de pintura, mas era, extremamente, irresponsável com relação ao cumprimento de horário. Assim, no outro dia, de forma reincidente, chegara atrasado e Zé Dinízio, novamente, com toda a razão, reclamou severamente:

- Já são 10:00 horas da manhã, cara! Isto não é hora de peão chegar ao serviço, não.

O Galego, mais uma vez, não gostou da repreensão e, automaticamente, respondeu:

- E quem foi que disse que eu sou peão de obra. Meu amigo! Eu sou é um profissional, que sei fazer o meu serviço, e não me preocupo com horário. Eu já lhe disse que o que vale é o serviço ser bem feito.

Zé Dinízio, outra vez, escutara o desaforo do rapaz, mas com uma vontade tremenda de estourar com o mesmo. Vontade não faltava para dizer-lhe, então, uns bons desaforos. No entanto, conseguira controlar-se, preferindo ficar calado e deixar que o tempo viesse a se encarregar de solucionar o problema da vinda daquele trabalhador. Já havia, portanto, se decidido: iria procurar a doutora Emiliana e contar-lhe que o rapaz não serviria para o serviço.

Mais tarde, realizando a pintura de mais uma sala de aula e absorto, Zé Dinízio só notou a presença do Galego quando este expressou-se:

- Me empreste, por favor, a sua bicicleta para eu ir almoçar.

- Não. Eu não gosto de emprestar a minha bicicleta a ninguém. Nem ao meu filho, eu gosto de emprestar ela, quanto mais a você – o homem, secamente, respondeu.

- Tá bom, cara! Quando tu morrer, tu vai, para o inferno, levando aquela bicicleta velha, e enferrujada, no caixão – o Galego respondera, não perdendo, outra vez, a oportunidade de ser desaforado e, em seguida, partira para casa.

Ao voltar para o expediente da tarde, Zé Dinízio estranhou bastante ao encontrar o Galego já trabalhando, em plena 13:30 horas, mas surpreendeu-se, significativamente, quando observou, defronte à entrada da escola, um grande cacho de coco verde. De repente, vieram, em sua mente, as seguintes interrogações: “Quem fora o astucioso que trouxe este cacho de coco para cá e de onde veio? Será que foi esse desgraçado do pintor que teve essa ousadia?

Num súbito, foi ao encontro do Galego e, imediatamente, perguntou-lhe:

- Foi você, Galego, que colocou aquele cacho de coco verde na entrada da escola?

- Foi. Fui eu, sim! – confirmou, prontamente, o rapaz.

- E de onde veio esse cacho de coco verde?

- Foi do terreno ao lado. Lá tem cada cacho de coco verde bem legal e tá tudo abandonado. Eu pulei o muro e trouxe ele pra cá.

- Não está abandonado, não. Lá não tem nada abandonado. Galego! Se você soubesse como os donos deste terreno, que são, também, os donos desta área da escola, são brabos e gostam de confusão, não teria tocado nestes cocos. Acho melhor você tirar, urgentemente, estes cocos daqui de dentro antes que aconteça alguma confusão – respondeu Zé Dinízio, retrucando e, ao mesmo tempo, amedrontando o rapaz.

O rapaz, que já andava mal satisfeito com o serviço, aproveitou, então, a oportunidade para se demitir de vez:

- Quer saber de uma coisa, cara? Eu vou embora, agora mesmo, e levarei o meu cacho de cocos e nem você, nem ninguém, poderá evitar.

- Tudo bem! Você pode ir pra onde você quiser. Diga quanto foi o seu serviço pra gente poder providenciar o pagamento – respondeu, secamente, Zé Dinízio.

- Não foi nada, não, cara. Eu não faço conta por migalhas que não vai me botar pra frente. Eu sou um pobre, mas sou um pobre que não faço questão por “merda”, não – falou o rapaz, com o seu jeito desaforado de ser, e saiu sem dar mais satisfação alguma.

Contudo, após três dias de sua demissão, o Galego voltou à escola e logo, com um cara de poucos amigos, dirigiu-se a Zé Dinízio:

- Vim buscar o dinheiro do meu trabalho.

- Como é? Eu não estou entendendo. No dia em que você saiu daqui, eu quis lhe pagar e você disse que o seu serviço não era nada porque não fazia conta de migalhas. Não foi isso, que você disse? Daí, a doutora Emiliana, não deixou o dinheiro para pagar a você. De modo, que eu tenho que falar com ela para resolver isto, mas hoje não é possível – expressou-se, já um pouco alterado, Zé Dinízio.

- Você foi dizer a doutora que não era pra me pagar. O cara ser pequeno não é defeito, mas ser cabra safado é um defeito muito sério – falou Galego, com um tom de voz alto, também, bastante grosseiro.

- Meu amigo! Pode ficar sabendo que a parte de você que passa de mim é podre, pois eu sou menor do que você, mais não sou assombrado com você, não. Eu resolvo com você em qualquer lugar – respondeu Zé Dinízio, já dando mostras de que estava pronto para o que desse e viesse.

- Pois se é, assim, eu estou lhe esperando lá fora, seu cabra safado pra gente acertar as nossas contas – falou o Galego, com a voz mais alterada, e, imediatamente, foi se retirando para fora da escola.

Ato contínuo, Zé Dinízio foi ao depósito da escola, armou-se de um velho punhal, pois tinha quase que certeza que o rapaz, para estar tão brabo daquela forma, estaria armado, e foi, em seguida, para a Secretaria da escola, oportunidade em que solicitou de uma das funcionárias que fosse verificar se o rapaz estava lhe esperando defronte à entrada da escola, conforme prometera.

Uma vez informado de que o Galego não mais se encontrara pelas redondezas da escola, o homem lamentou, com as colegas de trabalho, a postura deselegante adotada pelo rapaz e continuou o seu trabalho de pintura em mais uma sala de aula, mas estava decidido em ir, à noite, procurar a doutora Emiliana, em sua residência, para colocá-la a par de todo o acontecido.

Por volta das 17:30 horas, quando todos os funcionários da instituição já tinham saído do expediente, Zé Dinízio procedera o fechamento de todas as portas e janelas internas da escola e, exatamente, no momento em que se encontrava fechando o seu portão principal, um cidadão, de cor bem morena, e bastante alto, tocou no seu ombro direito e falou:

- Você foi o pastor que tocou na minha cabeça, ontem.

Zé Dinízio virou-se, bruscamente, para aquele cidadão que tinha lhe dirigido a palavra, sem, na verdade, ter entendido patavina, e respondeu:

- Não estou entendendo nada, amigo. Eu não sou pastor e nem nunca lhe vi em lugar algum.

O homem moreno, bruscamente, agiu, dando três passos atrás, e, subitamente, começou a tirar pedras de uma sacola, que carregava a tiracolo, e começou a apedrejar, sem nenhuma compaixão, o pobre do Zé Dinízio que, automaticamente, reconhecera que estava lidando com um doente mental e que, com aquele coitado, não adiantaria conversa alguma. Só lhe restava, então, se trancar dentro da escola e esperar que o mesmo matasse a vontade de jogar as suas pedras. E, assim, procedera.

Uma vez protegido da saraivada de pedras, Zé Dinízio, já do lado de dentro da escola, , passou um bom tempo escutando as pedras baterem na parede que o Galego havia pintado e não tirava do seu pensamento:

- Eita! Que dia de pouca sorte! Até a pintura que aquele desgraçado fizera, esse doido está se encarregando de acabar agora. Lá vou eu ter que pintar tudo de novo.

Roberto Vieira
Enviado por Roberto Vieira em 19/10/2016
Reeditado em 29/06/2020
Código do texto: T5797033
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