A Fanfarra da Tijuca

O grupo seguia por Toda Avenida Maracanã. Constituía-se de pessoas de todas as espécies: civis da mais alta classe até arruaceiros da pior estirpe. Era fácil ser tomado pelo entorpecimento carnavalesco e se misturar a multidão. A banda da Tijuca tamborilava em uníssono ditando o ritmo da fanfarra. Os prédios da cidade, tal como as ruas, ganhavam um brilho distinto; era a festa do carnaval carioca.

Assim como todo bloco tradicional, a fanfarra da Tijuca tinha seu maestro improvisado, aquele guia que puxava o coro da alma e levantava a massa a seu bel prazer. Domingos Martins, negro corpulento presente nas noites cariocas, pôs-se a ditar o ritmo. Homenzarrão da voz grave roubava a atenção e guiava a multidão com seu dom natural de regência. Diziam por aí que seu carnaval durava 11 meses.

-Dezembro ele guarda pro santo. Todo mundo precisa descansar, né?Supunha dona Emília.

-Santo? Se conheço bem, ele ta enfurnado em alguma viela. Apesar da profundidade das palavras, Noriel carregava certo apreço pelo velho amigo. – Deve a Deus e o mundo.

Seguia-se a procissão carnal na cadência do batuque. A indecência só foi ofuscada pelo brilho daquela sacada na esquina da rua 15. As curvas acentuadas de Rosinha eram poesia para os olhos da ignorância de Domingos; seus cachos davam o tom de leveza em seus traços faciais e suas curvas delineadas fustigavam a imaginação do mais vil dos homens.

Domingos estava hipnotizado por Rosinha. Sua tez suava; o coração disparava, dançava agora a melodia de outra viola, a de seu coração. A euforia que tomou conta de si durante toda a festa agora estava concentrada em outro objetivo. A imagem de Rosinha na sacada tornou-se santa e a necessidade de escalar aquela parede envolta em samambaia veio à tona e se materializou sem muito pestanejo.

Rosinha o encarou com certo escárnio.

- Quem vem lá que nem medo de morrer tem?

- Tem um homem apaixonado e uma vontade grande de te conquistar.

- Tem um homem tolo. Mal sabe que sou mulher de Coronel Zé. A imagem de seu marido vindo pela esquina foi como alívio para Rosinha.

- Pro inferno o coronel. Eu posso te dar toda alegria do mundo.

Domingos a essa hora nem sabia do perigo que lhe aguardava, mas também pudera, estava completamente apaixonado. Morreria ali sem perceber e viveria por toda eternidade com aquela imagem de Rosinha na cabeça.

- Pois diga isso na cara dele. Ou melhor, cuidado com a queda.

Só teve tempo de olhar de soslaio e evitar o pior. Àquela altura só pode se jogar contra o carro da alegoria que passava e desviar-se da carabina. O barulho do estampido criou um alvoroço sem precedentes; pessoas começaram a correr sem rumo, gritos foram ouvidos por todos os lados. O circo estava armado e a fuga também. Domingos esgueirou-se por entre as vielas como quando foge de trabalho e nunca mais foi visto. Não naquele lugar. Não naquele dia. O amor que nascera naquela sacada por Rosinha não morreria tão facilmente por causa de uma carabina. Não era amor de carnaval, era de carnavais.

Dom Olegário
Enviado por Dom Olegário em 06/11/2016
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