Madrugada fria

Um mal estar agora invadia seu corpo, estava suando frio e uma leve tonteira ainda fazia sua cabeça rodar. Não entendia como foi parar ali. Levantou a cabeça, o relógio da igreja marcava duas e meia da manhã, um carro vermelho contornou a praça, uns cachorros latiam ao longe, e o homem não entendia como foi parar ali. Olhou-se e teve pena de si mesmo. Deitado em cima de um papelão velho, roupas rasgadas e uma mochila velha era tudo que tinha agora. Ali perto dele dormia um cachorro preto e branco encolhidinho para aguentar o frio da madrugada. Fez um esforço e se sentou encostado na porta da loja de móveis, olhou para o cachorro e lembrou da vida que vivia até a pouco tempo atrás, aquele animal fazia parte dela, agora mais magrelo e com o pelo sujo, mas estava ali do seu lado. Tinha uma casa, um carro e uma família, mas quase sem perceber foi perdendo tudo. Sempre bebeu socialmente, não era homem de tomar porres. Quando teria perdido o controle? Uma dor agora lhe queimava o peito, lembrou quando percebeu pela primeira vez a vergonha da filha diante das amiguinhas quando se apresentou como pai. Ele estava bêbado. O rendimento no trabalho também não demorou a cair, chegava tarde, saia cedo, não dava conta de tarefas que antes eram simples. Foi chamado a atenção várias vezes, sempre jurando que iria tomar jeito, que iria melhorar. No outro dia chegava já meio embriagado, reclamando por ter sido chamado a atenção no dia anterior. Até que veio a demissão. Chegou em casa nervoso, quebrou a televisão, a mulher tremendo abraçava a filha que chorava e o homem voltou para rua para beber. Chegou de madrugada mais bêbado, bateu na porta e ninguém abriu, bateu, bateu, até desistir. Acabou dormindo ali mesmo no lado de fora. Como as coisas foram só piorando, sua mulher não aguentou e pediu o divórcio. Acabou deixando tudo para elas, o carro e a casa, e ele foi embora. O cachorro o acompanhou, tentou chutar o animal, jogou pedra mas seu fiel amigo nunca abandonou o seu dono. A tonteira já tinha passado, uma prostituta entrou no carro vermelho que parou enfrente a igreja, o homem acariciou o cachorro, que abanou o rabo feliz. Agora sim, lembrava de como foi parar ali.

Wilson Ataliba
Enviado por Wilson Ataliba em 08/11/2016
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