Amizade au au

Vivia assim aquela mulher, vivia triste. Depois de uma vida inteira de trabalho e muita luta, se encontrava assim, sozinha completamente abandonada. O marido tinha falecido há dez anos e os filhos não procuravam a pobre senhora. Apenas a filha caçula, por peso na consciência ou receio do que as outras pessoas podiam falar, acabava uma vez por mês aparecendo, levava uma sacola de legumes, ficava quinze minutos e ia embora com a consciência tranquila. A senhora vivia aqueles quinze minutos intensamente. Na única vez que a filha levou o netinho, quase matou a mãe de felicidade. Mas assim que via a casa vazia de novo, o vazio da casa entrava pelo seu peito adentro, e a tristeza entrava e se alojava de novo em seu coração. Passou a ir à pracinha pela manhã, as crianças brincavam, as mães batiam papo, falavam sobre a novela e sobre a vida alheia, e ela ali invisível. Ninguém olhava para ela, nem que fosse para debochar de seu nariz torto. Percebia agora que a velhice a tornara invisível. Voltou aborrecida da praça, bem próxima da depressão. Quando colocou a chave no portão, viu um cãozinho de olhar triste, num cantinho da calçada, as costelas do animal, quase que saltava do couro, muito avermelhado e machucado pelas inúmeras coceiras, a velha quase instintivamente abriu o portão e colocou o cachorro para dentro. Os próprios vizinhos já estavam comentando, já tinha mas de uma semana que a velha não aparecia na rua. Teria morrido? Ninguém sabia. Mas naquele dia resolveram entrar na casa da velha, estavam reunidos em frente ao portão, e por consenso resolveram arrombar o portão. Já estavam cinco homens com um tronco imenso, prestes a arrombar o portão, quando se ouviu o barulho de chave vindo de dentro do quintal, o portão se abriu e saiu a velhinha com o cachorro. O cachorro nem parecia aquele trapo que entrou portão adentro naquele dia, estava gordo e bonito, a velha também estava bem diferente, olhos brilhantes e sorriso fácil, dava uma gargalhada a cada movimento do seu novo amigo, que se enroscava em suas pernas, com a língua de fora e abanando o rabo de felicidade. A velha atravessou a pequena multidão de vizinhos em sua porta, mas nem os enxergou. Agora só conseguia ver o seu novo amigo. E foram felizes para a pracinha para curtir aquele bonito dia de sol. Voltando da praça, ligou para sua filha caçula, e pediu para que quando ela fosse visita-la, substitui-se os legumes por um saco de ração, e terminou a ligação com uma risada gostosa. A filha do outro lado da linha, ficou com o telefone na mão, sem entender nada.

Wilson Ataliba
Enviado por Wilson Ataliba em 13/11/2016
Código do texto: T5822354
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.