Aprendendo a ler

Aprendendo a ler

Maria saiu de casa aos seis anos. Foi morar na zona sul na casa de uma família de posses. Lá teria comida, roupa, um local para dormir e seria um peso a menos para seus pais pobres com muitos filhos.

A vida da menina não era um paraíso como seus pais pensavam. Ela acordava muito cedo e ajudava nas tarefas da casa até a hora de dormir. Os anos passaram e Maria só conhecia o trabalho. Não estudou, não brincou, mas namorou e engravidou aos catorze anos. Os patrões decididos a mandaram de volta para seus pais, pois Maria se negava a dizer quem era o pai da criança que ela esperava.

Maria voltava para a família muito deslocada, e em breve seria mãe. Sua menina nasceu numa manhã chuvosa e fria. Maria ficou feliz logo que a menina saiu de seu ventre dando-lhe um grande alívio. Em sua inocência juvenil não imaginava tudo o que iria enfrentar.

Seus pais não a recriminavam, mas também não lhe davam apoio. Ela vivia num canto a sonhar com uma vida melhor. Como? De que maneira? Não tinha trabalho, não tinha dinheiro e não sabia fazer nada além do serviço doméstico. Na certa não ganharia nada. Pois desde pequena sabia o que era trabalhar por um prato de comida, agora tinha mais uma boca a sustentar.

Alguns meses se passaram e Maria cada vez mais se assustava com o futuro que a esperava. Na casa dos pais fazia tudo. Lavava, passava, cozinhava e aos poucos percebia que a situação não era a mesma de anos atrás.

Seus pais agora tinham uma casa própria pequena, mas confortável. Alguns dos filhos já crescidos tinham arranjado emprego na cidade grande e não voltariam. Todo mês ainda mandavam certa quantia para ajudar os pais. A mãe estava mais velha e não tinha mais filhos. Os menores freqüentavam a escola e não trabalhavam duro como Maria.

A mãe já não lavava mais roupa para fora. Aprendera a costurar num curso patrocinado por uma igreja. Trabalhava como costureira numa pequena indústria local. Maria tomava conta da casa, da filha que crescia rapidamente e dos três irmãos menores. Eles iam para a escola todos os dias. O Tobias, caçula, era muito levado, e muito amoroso. Maria começou a prestar atenção nas tarefas que o irmão trazia da escola. Quando podia, ficava com ele, brincando de estudar. Ao final de certo tempo, ela começou a ler pequenas sílabas depois formar palavras, frases, parágrafos. Escrever foi mais difícil. Aperta os dedos aqui, apaga o que escreveu errado ali. E conseguia assinar o nome com muita dificuldade.

Uma vizinha lhe incentivou a tirar os documentos. Maria ainda era menor, foi com sua mãe fazer as fotos e depois os documentos. A menina de Maria já estava com três anos e Maria não tinha idéia de como iria trabalhar sem ter com quem deixar a filha.

A vizinha era uma senhora muito generosa e resolveu chamar Maria para ajudá-la no preparo das refeições que ela fazia e mandava entregar nas ruas da pequena cidade. Dessa forma Maria trabalhava junto com a vizinha com a filha por perto. O negócio começou a crescer e as duas não davam conta de tantos pedidos.

Alguns anos se passaram Maria e a vizinha alugaram uma casa grande no centro da cidadezinha e transformaram numa pensão servindo comida caseira diariamente fechando aos domingos. A pouca leitura era um obstáculo para Maria vivia pedindo aos irmãos menores para ajudá-la na confecção dos cardápios, e também a inexperiência com números levava Maria ao desespero na hora de contabilizar as despesas e ganhos do seu pequeno negócio.

Na pensão ia sempre uma professora jovem ainda que trabalhava em uma escola bem perto de sua casa. Maria um dia, derrubou o muro da vergonha que erguera desde que se encontrara grávida e fora devolvida para sua família. Falou com a professoara sobre sua vontade de aprender mais e mais. A jovem a incentivou a prosseguir nos estudos. Deu-lhe muitas aulas na parte da noite. Maria conseguiu após alguns anos de esforço concluir a quarta série do Fundamental. Nesta época sua menina estava com sete anos e já estava aprendendo a ler.

A pensão tornou-se um restaurante, a vizinha amiga tornou-se sua sócia. Maria continuou os estudos através do tele curso. Aos trinta anos Maria sua filha, e a família da vizinha mudaram-se para a cidade grande para abrir um restaurante maior. O sucesso foi tão grande que em três anos Maria era dona de uma cadeia de restaurantes na capital de São Paulo. Maria comemorava não só o sucesso do restaurante, mas também a entrada de sua filha Mariana na faculdade de Medicina.

Um final de tarde Mariana chegou a casa com os olhos vermelhos. Maria viu que alguma coisa estava errada com a filha. Com muito jeito tentou chegar à raiz do problema. A filha falou tristemente que o motivo de sua tristeza era a vontade de saber quem era seu pai. Maria nunca falava sobre o assunto. Sempre escondeu a verdade da filha.

Alguns dias depois Mariana teve a confirmação do que suspeitava. Ao revirar as gavetas da mãe encontrou uma carta. Letra masculina firme e bonita, o papel já estava amarelado pelo tempo. Leu, releu, leu, releu. Dobrou a carta e colocou de novo no mesmo lugar. Quando saia do quarto a mãe entrou. Na verdade ela já estava ali há alguns minutos.

Então minha filha agora entendeu o motivo de eu nunca dizer quem é o seu pai? Mariana abaixou a cabeça e sentiu uma pequenina dor no peito, uma dorzinha triste de saber que tinha sido rejeitada no ventre e que sua mãe teve que engolir tudo calada aquele tempo todo. Seu pai era o antigo patrão de Maria, que abusava da inocência da adolescente quando soube de sua gravidez tratou de encher a cabeça da esposa e despachar a menina antes que o bebê nascesse e as suspeitas aumentassem ou ela abrisse a boca. Naquele tempo as coisas se passavam assim. Mariana não teve vontade de conhecer o sujeito, mesmo que tivesse não poderia soube que o casal morreu dois anos após seu nascimento. Junto da carta do motorista do casal estava um pequeno recorte de jornal.

Aquela simples carta foi o motivo para Maria aprender a ler, até compreender tudo o que o motorista lhe escrevera. Jamais alguém tocou no assunto.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 21/11/2016
Código do texto: T5829865
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