929-MADRUGADA EM CHINATOWN - Viagens

MADRUGADA EM CHINATOWN

Ainda sonolento atendi às batidas na porta do quarto do Hotel Houston onde eu e Enny estávamos hospedados há poucas horas. Era Colette, nossa animada companheira de viagem.

— Vamos sair para comer alguma coisa? Estou morrendo de fome.

Olhei par o relógio de pulso: eram 11 horas.

— Vou ver se Enny quer ir.

— Encontro com vocês no hall. Carlos Eduardo e Marília já estão se aprontando.

Acordei Enny. Havíamos dormido talvez quatro horas e sentimos que também estávamos com fome.

No saguão do hotel, já os três companheiros nos esperavam.

— Aonde vamos? — indaguei.

Colette, que tinha mais expediente, conversou com o atendente do hotel e soubemos que na Chinatown encontraríamos restaurantes com comida variada e preços razoáveis. E o bairro ficava a apenas quatro ou cinco quarteirões do hotel. Poderíamos ir a pé.

Com as informações, partimos. Logo encontramos o Dragon’s Gate, na Grant Avenue: uma construção simulando um portão de entrada de palácio chinês, por sobre a avenida. Era como se a gente entrasse num outro mundo. A avenida era feericamente iluminada pela luzes e neons das lojas, restaurantes, bares e mil-e-um tipos de estabelecimentos, que a gente nem imaginava o que seriam.

O trânsito de carros era grande e o de transeuntes, indescritível. As calçadas eram insuficientes pra tanta gente. As vitrinas colavam-se umas às outras, entremeadas pelas largas entradas dos estabelecimentos. De vez em quando portas estreitas com um oriental de vigia, sinalizavam o acesso aos andares superiores, onde funcionavam clubes, boates, bares sofisticados e outras atrações do bairro.

Ainda que zonzos por tanta iluminação e movimentação, encontramos logo um restaurante. Entramos e fomos até o fundo, onde nos acomodamos. Imediatamente um garçom nos atendeu e recebeu os pedidos. Os restaurantes chineses têm um modo prático de identificar os pratos por números e nomes, de forma que agente pode pedir simplesmente pelos números (evidentemente, conhecendo-se a comida a que se refere.

Pedimos o conhecido: franco xadrez, porco agridoce e arroz chop-chuei, que todos nós conhecíamos, sabíamos do que se tratava.

A rapidez no atendimento foi surpreendente. O movimento do BR, impressionante, um entra e sai constante.

— Nos fundos dos restaurantes chineses costuma haver salas de jogos. — O comentário era de Carlos Eduardo, que já vivera na França. — Por isso há tanto entra e sai de pessoas.

Comemos também rapidamente. E saímos para dar uma volta e retornar ao hotel.

Pelas calçadas, artistas (músicos, principalmente) exibiam seus dotes por poucos centavos que lhe eram atirados por transeuntes que nem se davam ao trabalho de ouvi-los e apreciar suas mímicas e outras demonstrações.

Deslumbrados com as vitrinas entramos numa loja que vendia produtos raros: porcelana antiga, objetos exóticos, esculturas, iluminarias, tudo a preços exorbitantes, pela dificuldade em serem encontrados.

Colette, com um sorriso, disse:

— Vamos até o andar debaixo para vocês verem uma coisa interessante.

Descemos por uma escadinha sem porta nem vigilante. Chegamos a um imenso depósito de mercadorias, com prateleiras cheias das “antiguidades” que eram vendidas lá em cima.

— Vejam só como eles enganam todo mundo com essas peças fabricas em série, com aparência de coisas velhas.

— Safados! — comentei.

— É preciso ter cuidado em comprar coisas aqui. Ou em qualquer Chinatown, seja ela onde for.

Saímos do depósito de objetos raros fabricados em série e tomamos o rumo do hotel,

Eram quase três da madrugada e o movimento havia arrefecido um pouco. Quando estávamos perto da Dragons’s vimos uma cena inusitada: de uma viela escura, que desembocava na avenida, dois homens lutavam. Um jovem tentava tomar algo de um senhor mais idoso, meio careca.

— Um assalto! — falou Carlos Eduardo, em voz baixa. — Vamos sair depressa daqui, antes que sobre prá nós.

Mas estávamos paralisados. Vimos quando o velho aplicou um golpe de luta chinesa no rapaz, que girou por cima do velho e despencou em cima de uns caixotes. Barulho de madeira quebrada. O senhor aproximou-se do rapaz, que tentava se levantar e aplicou-lhe outro golpe, a mão espalmada na lateral da cabeça. O rapaz arriou.

O Velho se dirigiu para a saída da viela, onde nós assistíamos tudo. Arrumava a roupa e passa a mão sobre os ralos cabelos. Passando por nós, exibia um sorriso e falou algo que ninguém entende. E sumiu no meio da multidão.

Chegamos ao hotel visivelmente impressionados com o que havíamos acabado de assistir.

Colette, entretanto, colocou um pouco de tranqüilidade em nosso grupo, dizendo:

— C’est la vie, mes amis. C’est la vie...

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 9 de janeiro de 2016.

Conto # 929 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 30/11/2016
Reeditado em 30/11/2016
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