Jornal Zero Hora

A criação em Offset. Um banco, duas mãos aposentadas e dois óculos caídos deslizam sobre minhas páginas rotas. Estórias e mais histórias. Múltiplas experiências. Verdades e mentiras. Uma parábola e muitas metáforas. O encontro do engano com o desânimo; da alegria com a tristeza; do desprezo com a torpeza...; Sangue! Aconteceu virou manchete!

Por não falar uma palavra, sequer, aquele senhor, - exato, aquele que está sentado no banco à direita da senhora vestida de preto - sempre faltou com a didática. Fazendo mímica feito doido, como gesticula! Inquieto. Veja, está pedindo para ela acender a bituca de cigarro que pegou no chão. Com o toco na boca, gesticula o dedo polegar como se fosse isqueiro. Sintoma de esquizofrenia? Está sedento para dar a primeira tragada na guimba. Humm, quê pena, pelo que parece não vai dar tempo, seu ônibus está vindo! Exatamente, não deu tempo.

Poxa, que atitude admirável: ela passou para ele o cigarro que estava fumando. Está quase inteiro; foi sugado duas vezes, apenas. Sorte dele. Não entendi, se era o que queria, por que está chorando! Hum, com quanta coisa esquisita tenho que conviver diariamente. Seja pelo motivo que for, vou dormir. Finalizar, encerrar o expediente. Plantão cansativo; intenso amar em tenso mar. Até que minha vida poderia ser mais poesia e menos realidade. Só desgraça, corrupção, manias de grandeza, sangue, mortes! Boa noite! Oi, fale comigo! Tem alguém aí do outro lado? Oi, oi... estou aqui... oi! Passou a noite dormindo? Oi... acho que sim. Oi; é hora de despertar! Chato demais, falar e não ser ouvido. Oi; tem alguém aí do outro lado?

Meus problemas psíquicos tem avolumado progressivamente. A carga de remédios parece não fazer efeito. Meu médico recomendou que tomasse Fluoxetina, mas em nada adianta. Embora tenha tomado uma carga cavalar, não consigo dormir. E quando passo por uma madorna, o mundo parece que vai desabar sobre minha cabeça. Estou aqui falando com você, leitor, corroído pelos leões que se tornaram indomáveis. Sim! Estava tomando Diazepan, mas é como se não tivesse tomado nada, acho que o meu organismo se acostumou. Exato, a a resposta ao medicamento é zero. Perdoe-me se eu estiver falando muito, te causando transtorno à essa hora da madrugada. Haja paciência para ouvir o desabafo de um depressivo! Sinceramente não sei se teria saco para ser você. Agradeço por estar me ouvindo. Oi, tem alguém aí do outro lado? Será que estou devaneando? Oi..!

Deixa pra lá... ninguém ouve ninguém. São mais de 5 horas e acho que agora consigo dormir. Porém, não durmo com a claridade e já tentei de todas as formas e maneiras possíveis e não consigo encontrar o botão liga-desliga do computador. Será que consigo suporte técnico para essa máquina insolente que está exercendo domínio sobre a humanidade à essa hora da manhã. Que horas as portas rangem furiosamente para atenderem o público aqui neste país? Você está me ouvindo, leitor? Por favor, encarecidamente, preciso de ajuda. Oi...

Escute essa daqui: "O teimoso do Temer, em viagem pelo Norte do Brasil, falou ao público que não há porquê o brasileiro continuar temendo as medidas provisórias temerárias propostas por ele, pois todas serão benéficas ao nosso povo medroso e tremedor". Tremedor com as altas temperaturas de Norte à Sul? Essa de temer é a tremenda fanfarronice do fala, fala e não diz nada. Só pode ser sacanagem! Você entendeu alguma coisa leitor? Porque eu, honestamente, não entendi nada. Chega, ouço alarido na rua, deve ser hora de dormir. Boa noite; agora vou mesmo! Obrigado por aturar-me; amanhã nos encontraremos nesse mesmo horário, confidenciando as mesmas coisas, bisbilhotando as bobagens cotidianas das mesmas celebridades. Tchau!

Ah, antes que eu esqueça, por favor, dê lembranças a sua mãe. Diga que estou com muita saudade. Pessoa boa de coração tá ali. Ela ainda fuma? E os problemas pulmonares? A última vez que nos encontramos, brinquei com ela: "Pitando um cigarrinho, heim Dolores". Ao que ela respondeu: "Sim, é o meu único divertimento, meus filhos só me dão desgosto. A Cleonice, como você sabe, dá feito chuchu na cerca, conheceu um mundano, abriu as pernas e já é o sétimo. O Jesiel parou com a cachaça, em compensação desembestou na desgraça do crack que não tem Deus que dê jeito. Está mofinando no cachimbo, que ele diz que é da paz. Além desses desprazeres, não tenho medo da morte. É o fim de todos nós. Morre o lobisomem, morre o gato, morre a formiga, morre a zebra, morre o elefante, morre o rato, morre a cobra, morre a formiga, morre a lesma catarrenta, morre o homem...

Chega Dolores, chega de tanta matança, para morrer basta estar vivo! Se não a reprimo, leitor, mataria até você; mataria o mundo. E Jornal sem leitor e falência múltipla da reflexão. Matança por matança, é preferível assistir o Datena, ouvir o Afanásio Jazadji, radialista e advogado que ganha uns trocos na política também, e outros programas do gênero. Mas olha moço, sua mãe é uma super-amiga; muito mais amiga do que as que tenho para a passagem de fim de ano.

Como disse o Milton Nascimento, amiga é coisa para guardar no lado esquerdo do peito. Haja chaves para fechar nas canastras da sinceridade a nossa amizade! Então, caro portador, leve as minhas lembranças a Dolores. Tanto para você como para ela, boas festas e inigualável ano vindouro. Pessoas com essa estirpe, é o mínimo que merecem. A mãe desse menino, é como uma edificação: pequena, mas bem assentada e por isto, uma mente sólida e inabalável. Até penso que é Dolores, por causa das dores que passou; aliás, a palavra dolores em espanhol é dores em português.

Já que não posso dormir agora, esta aqui o leitor tem saber: "A juíza Carmem Lúcia disse que "Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido. E não há a menor necessidade de, numa convivência democrática, livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade", em defesa do também juiz, chamado de juizeco por Renan Calheiros.

Excelência, não estudei uma vírgula, mas para saber que o homem não vale o toco de cigarro apagado, não precisa de ser diplomado. Ser douto nisso ou naquilo. Estudam muito para nada resolver. As teorias explicam, mas quem resolve é a vivência. Caríssima juíza, e o que dizer do povo que emporcalha os banheiros públicos, inadvertidamente, põem objetos cortantes em meio ao lixo doméstico, para os domésticos limparem e pegarem. Dia desses usaram-me para embrulhar uma batelada de porcarias, sobras, restos. Notaram: quando não põem vidas em risco, sou eu que o espatifado. Carmem, - desculpe-me não usar o pronome excelência, é porque imaginei que somos iguais, perante os desiguais - dessa nossa espécie, não espere coisa além do que oferecem, que é falta de respeito e falta de humanismo; para não dizer tolices de baixo calão. Às vezes é melhor agente se conter, ser humilhado em vez de humilhar.

Chega, amigos leitores, o dia clareou, é hora de sossegar-me. Fechar os olhos para a vida. Ainda cambaleante e atrasada, a cidade está de prontidão para mais um dia. Antes tarde do que nunca, chegou a hora, vou dormir! Não consigo andar ao lado, adotar os mesmos costumes e hábitos do povo. Boa noite!

Caramba, quando penso que as coisas conspiram a meu favor, sou chamado a cumprir meu dever. Mais uma. Esta é sobre comportamento: "Para toda prosa bem elaborada, uma frase de efeito faz-se necessário: "critique-me, evoluo nas críticas". Explicando-me melhor, certa ocasião, num sábado daqueles de fritar a percepção e o discernimento, nos tempos de lavador de banheiros e pratos, depois de uma aula de cálculo de arrepiar os neurônios e levantar defuntos dos sarcófagos, chegando ao trabalho, numa roda de amigos alguém que me conhecia disse: "o futuro engenheiro está chegando". Ao que o patrão, um português sarcástico, bigode de arame, unhas estilho aguilhões do capeta e bastante, mas muito filho do dinheiro e mais ainda, de uma boa puta, retrucou: "esse daí não serve nem para limpar banheiro". Miserável! Não me senti humilhado, mas por um bom tempo lavei a merda daquele crápula. Desculpe-me, não é do meu feitio, sobretudo porque sou uma alma pobre, mas não sou amante da pobreza, porém, tenho que liberar o que está travado: como a mãe faz pelo filho, não foi uma e nem duas vezes que limpei a bunda daquele imbecil! Por ironia do acaso, a primeira obra que acompanhei e quem reside em São Paulo deve saber, foi a Bernardo Goldfarb, que é a ponte elevada em relação ao nível da ponte paralela, Eusébio Matoso. Vida sempre, morte jamais; e muito menos fragilidade. O diabo não pode superar as leis do Criador; jamais"!

Ler tais coisas me conforta. Livre de dogmas e melindres, belo exemplo de vida. Queria eu ter uma fortaleza interior como esse fulano, ser uma ponte inabalável; como deu a entender. Isto fez-me lembrar de minha amiga novamente. São pessoas únicas se superando neste universo insólito; dominado pelos malfeitores.

Já deve ser quase 6 horas, não? Ouço ruído de ambulâncias. As palavras derradeiras em primeira pessoa: dobre-me, rasgue-me, cuspa-me, pois não sirvo nem para ser usado em banheiros. Foi se uma época que era considerado e servia para alguma coisa. Portanto, toque fogo em mim. As boas e necessárias notícias, as informações sistematizadas e profícuas estão no E-mail; Orkut; Facebook; Tweeter; Whatsapp e demais redes sociais. Vá lá e confira; e depois como fazem as ienas e lombrigas, sorria um kkkkk; né; rs, rs, rs; e aí mano, beleza veio; valeu; ok; massa; curti...! Quanta pobreza de linguagem! Igual a mim, o dicionário e a lexografia nunca existiram para esse povo desqualificado culturalmente; porque diploma é igual a título de nobreza: dá status, confere ao detentor posição social, mas não servem nem para ser usados no banheiro. Pelo menos neste quesito, sinto-me vitorioso.

Infelizmente é triste saber que já fui útil e atualmente sou a representação do fracasso, da inutilidade, do descaso, do ostracismo. Porém, tudo tem prazo de validade e o meu, já venceu faz tempo. Quase um século sofrendo todo tipo de impropério calado, até que foi tempo demais. Tento resistir, mas a força e a resignação é o produto da presteza interativa, o contato direto frente à frente; tete-a-tete, alimentos que movem o mundo; portanto, completamente desmotivado com os dias atuais, sinto-me fracassado. Derrotado. Antes que as lágrimas inundem minhas faces, vou dormir na cama que é o lugar quente para quem sofre as dores do desprezo.

Desculpe-me leitor e embora tenha feito todo esse rodeiro, é isto que tenho para dizer-te. Se quiser fazer como o Português, fique à vontade e gargalhe o quanto quiser. Ser humilhado é meu menu, é o prato trivial servido em minha churrascaria sem teto. Agente ouve, lê e observa tanta coisa, tantas notícias boas quanto ruins, que numa época remota imaginei ser forte o bastante, exatamente como o fulano que evoluiu com críticas; mas... os sentimentos e emoções é o que diferencia os jornais.

Este detalhe é tão gritante, que cansei de notar isto em minhas páginas. É doloroso! Pense o que quiser, é direito que foi dado a todos, mas este é o nó, o máximo nó que estava engasgado em minha garganta desde muito. Se mais nada acontecer, como não acontecerá, porque o tempo passou, pelo menos esse desafogo para aliviar-me dos impropérios sofridos. Pronto, estou ao seu dispor e convencido que o lixo é o meu lugar. Despedaça-me como a velhice despedaça as pétalas de uma rosa e de uma vez por toda, junte os restolhos e retalhos e lance os no monturo, por favor!

© obvious: http://obviousmag.org/ministerio_das_letras/2016/12/jornal-zero-hora.html#ixzz4SqG07KkX

Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 12/12/2016
Reeditado em 14/12/2016
Código do texto: T5850781
Classificação de conteúdo: seguro