Madrugada

É estranho ver a cidade acordar, geralmente, não vejo isso; me considero bicho do dia, dizia que a noite não era feita para mim.

Bobagem, ainda esta escuro, aquela borra de noite que vem antes do sol nascer, acho que até o sol tem preguiça de dar as caras no horizonte, afinal, os dias dele devem ser monótonos, sem graça, tendo que assistir a esse espetáculo de gente feia, até eu que moro e que sou um deles, acho as pessoas estranhas demais.

Cinco e cinquenta e sete da manhã e sim, eu virei a noite, estou de pão desde as oito da manhã passada e não sinto sono, estou de pé e de olhos abertos, essas ruas são tensas por essas horas, ando sempre com meu amigo metálico no bolso, tinindo, ainda não foi estreado e eu fico na expectativa por isso, mas, acho que não será hoje, ao menos, não pretendo que seja, trouxe ele mais para o acaso mesmo, sem mais nem menos, além de uma tira de couro entre os dedos médio e anelar, para evitar que fiquem de mau jeito, quando socar qualquer coisa.

Pelas ruas, não há ninguém, poucos civis transitam pelas calçadas, uns em passadas vacilantes, cambaleando bêbados, outro andando com passadas ligeiras, correndo, sem saber se é para não perder o ônibus, ou, não ser assaltado, é quase cinquenta por cento, para cada hipótese. Eu ando sossegado, na minha, queixo erguido, olhar despreocupado, peito para fora, me sentindo o dono da noite, eu sempre fui confiante, aquele ponto era, oitenta por cento confiança, dezenove por cento, pelo meu soco-inglês e um por cento de sorte, que é o elemento que desempata.

Tenho que caminhar até o terminal de ônibus, a caminhada parece mais longa do que deveria, com certeza, deve ser o descostume com o horário, essa hora eu costumo estar saindo e não chegando. Fico de olho nas pessoas, andarilhos, não se preocupam em olhar para os lados. Uma sombra se manifesta a minha esquerda, vai ficando maior, eu olho de rabo de olho, os passos estão chegando quase ao meu lado, eu fecho os punhos, com a mão direita encaixada no soco-inglês, o dono da sombra chega ao meu ombro, não é nada além de um transeunte apressado, relaxo as mãos, sigo o meu caminho, tudo bem, eu admito, admito que meu coração deu um acelerada quando o borra botas passou por mim, mas, ninguém sabe.

Estou a alguns passos do terminal, e de repente, começo a me sentir cansado, me sinto ligado no duzentos e vinte ainda, mas, começo a fraquejar, em frente o terminal, tem uma mulher com uma barraquinha de café, a princípio me sinto frustrado por querer o café e estar sem dinheiro vivo, mas logo em seguida, me lembro de que assim que saí de casa eu tinha achado dois reais, agora me sinto alegre, quase um alívio, chego e pergunto:

- Quanto é o café?

- Dois reais!

- Me vê um, por favor.(pelo visto, eu tinha mesmo que tomar esse café.)

Subo a passarela e entro no terminal, olho em volta, minha vista corre ao longo das outras duas plataformas, somente algumas pessoas, nunca tinha visto esse lugar tão vazio, me dava até um certo regozijo, vou para onde sai o meu ônibus.

Seis e quinze da manhã, o motorista fecha a porta do ônibus e partimos, recosto minha cabeça na janela e cochilo, até que eu chegue em casa.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 02/01/2017
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T5870315
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