Ela

Mais um dia comum. Levantei cedo, como em todos os dias, tomei meu banho e meu café, como de costume, peguei meu carro e parei no trânsito pesado, com sempre, no meio do caminho lembrei-me do meu celular esquecido em cima da cama. Em um dia comum voltaria desesperado, não sou nada sem meu telefone, toda minha vida está lá meus contatos, minha agenda. Mas hoje eu não me importava, hoje seguiria o fluxo, hoje o dia seria diferente, e ele estava diferente, o céu estava claro, sem nuvens, uma grande tela pintada em um único tom de azul. O transito parado me fez reparar em coisas que não existiam, que tolice a minha é claro que existiam não a como ter nascido uma fileira enorme de arvores uma atrás da outra. Parecia realmente um dia diferente. Fiquei algum tempo reparando nas coisas novas, pelo menos para mim, no caminho, pessoas caminhando na calçada, despreocupadas, um casal abraçado comprando sorvete, uma senhora chinesa vendendo flores entre os carros. Acabei não percebendo o que o fluxo de carros já avançara uma buzina insistente fez o favor de lembrar-me onde estava. Olhei pelo retrovisor e reparei numa coisa que não tinha reparado nesta manhã, que não via a muito tempo. Tinha um sorriso em meu rosto, um sorriso largo, bobo, de uma criança que acaba de ganhar um doce do pai depois de muita insistência, estava tão idiota que recebi alguns xingamentos, da buzinadora quando ela me ultrapassou. Porque do sorriso? Não sei, não tinha nada que me deixa-se feliz, estava indo para um trabalho que eu detesto passar o dia com pessoas que eu odeio, para receber um salário de merda no fim do mês. Mas mesmo assim e me sentia leve. Liguei o rádio como de costume, mas desta vez sintonizei numa rádio FM, queria ouvir música, algo que não era muito comum. All of me, detestava esta musica, mas sem perceber já cantava.

Cause all of me

Loves all of you

Love your curves and all your …

Durante a música um pensamento saltou em minha mente. O meu deus, ela. A visão dela ficou no meu inconsciente, ficou gravado por trás das minhas pálpebras, foi que me fez dormir tão bem, que me fez despertar sorrindo. Vela na ultima noite, na volta do trabalho, foi uma das coincidências da vida que você não espera um plot twist que faz com que mude o rumo da historia. Fazia muito tempo eu não a via, cinco anos para ser exato. E ela não mudou nada, ainda parecia à mesma, estou falando de essencial, ainda parecia uma menina, daquelas que passam a impressão que é frágil, sensíveis, que engano, ela era forte, determinada e decidida, brigava por aquilo que queria. Claro que fisicamente ela mudou nestes anos, cortou o cabelo estava mais alta, usava um batom vermelho que eu nunca tinha visto antes, mas como ficou bom. Como eu queria ter parado, como eu queria ter conversado com ela, mas meu celebro desligou com a visão dela, e meus músculos entraram no piloto automático e conduziram o carro para casa.

Agora eu passo reparar cada detalhe na foto registrada na minha mente, no tom de sua pele iluminada pela luz amarela do poste, no vestido marcando suas curvas por causa do vento, seu sorriso aberto com os olhos semicerrados. Eu me apego naquela esperança idiota de reencontra-la na mesma rua enquanto vou para o trabalho, como se o destino desse uma terceira chance para alguém, e se desse? O que eu iria fazer. deixar de ir ao trabalho para convida-la para um lanche, não seja imbecil você precisa deste trabalho, precisa do salário. Mas talvez seja a oportunidade de largar este emprego que eu tanto detesto, talvez é o universo esteja movendo as peças para que eu encontre o caminho da felicidade, encontre um emprego bom, morar num bairro tranquilo, numa cidade pequena, ter um casal de filhos e um cachorro, como planejamos a muito tempo. Que idiota eu sou, fazendo planos para um futuro impossível, eu perdi este bonde há muito tempo atrás. Ainda bem que meus músculos sabem o caminho do trabalho e me dirijo automaticamente enquanto eu me coloco em uma discussão inútil comigo mesmo.

Como é difícil se concentrar quando se sabe que está apaixonado. Recomeço pela terceira vez o relatório enquanto tento tirar ela da minha mente, mas é como tentar sair de uma cova cavando, quanto mais eu tento pensar em alguma coisa diferente mais eu penso nela, penso como nos éramos próximos, nas noites de conversa sem sentido, das vezes que tentávamos contar as estrelas, lembro-me da voz, do toque, do cheiro e do gosto dela, lembro-me das brigas eu tivemos e lembro-me de como fui idiota.

Claro que nestes anos que ficamos separados eu não fiquei o tempo todo só, encontrei outras mulheres, mas agora depois de vê-la ontem tudo parece que foi conspiração do destino, para que eu ficasse livre para ela, claro só pode ser isso. As brigas idiotas que tive com Carla, a mãe tirana da Sandra, o ciúme doentio de Daniele e até a traição com meu amigo de Michelle. Claro que alguns, ou muitos, eu não colaborei, mas agora eu entendo foi tudo obra do universo arrumando as pesas para que o caminho estivesse livre para a pessoa que importa.

Mas e se, se nossos destinos não sejam um só, e se as forças que moveram minha vida não seja as mesmas que guiaram a dela, e se ela tiver outro e se tiver família. Idiota, idiota.

Por que eu não investigo isso, hoje em dia é tão fácil saber da vida das pessoas. Porque eu não a procuro no facebook? Por quê? Se eu fosse fazer isso eu já teria feito nestes cinco anos. O motivo é obvio o mesmo motivo para eu não fazer isto antes. Ainda sou apaixonado por ela e tenho medo de descobrir o eu vou encontrar.

Passou-se o dia, um dia em que me mente variou em alegria esperançosa e uma melancólica tristeza de conformação, imagino que meus colegas de trabalho achem que eu estou drogado pelas constantes mudanças de feição, de um adolescente depressivo preste a cometer suicídio a um sorriso de uma criança que ganhou doce escondido do tio.

Na volta para casa aquele sentimento de esperança explodiu no momento que passei na esquina em que eu a tinha visto. No momento que vi uma mulher de costa no mesmo lugar, poderia ser dado como morto, minha pele gelou e meu coração parou. Mas a esperança ruiu rapidamente, quando ela virou vi que não ela era, claro, não era nada parecida, mas eu a via em todas as mulheres no caminho e em todas me decepcionava.

Já em casa buscava me consolar, talvez não fosse ela realmente, ela deve estar casada com um cara rico morando em outro país, foi só minha mente pregando uma pesa, uma tentativa do meu celebro de receber um pouco de endorfina que há tempos não recebia, péssima jogada, agora este hormônio ficará na reserva por semanas até que eu possa tira-la da mente. Tomei um banho, e me preparava para dormir quando encontrei meu celular esquecido em cima da cama, treze ligações perdidas, mãe, chefe, amigos, mas uma no meio delas era um número que eu havia esquecido que tinha na agenda e mais uma vez sem perceber, me encontro sorrindo.

Filipe Cruz
Enviado por Filipe Cruz em 12/01/2017
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