O PORÃO

O rumo era certo, já era sabido de todos mas andava com uma aura desnutrida. Passou por um portão minúsculo, como adentrando ao seu próprio túmulo. As paredes em cimento rústico e embolorado, acentuavam com nitidez a decadência de quem um dia estava vivo. O corredor estreito entrelaçava a dúvida e a desesperança. Uma energia mórbida pairava no ar e o pensamento voava como sem rumo e descrente, como se escutasse ao fundo a voz tímida, porém firme da consciência que não parava de dizer: Merda! Merda! Merda!

O corredor parecia infinito. Quanto mais andava mais se afastava de si mesmo. A voz o perseguia como um lobo faminto espreitando sua caça, sua próxima vítima. Sim, hoje vai ter rango com certeza...uma alma fresca e perdida na escuridão do abandono.

Avistou desgostoso sua próxima morada. Um lugar só seu, onde a solidão será seu amigo mais íntimo. Um lugar pequeno, escuro sem muito a oferecer, mas que seria só seu. Pensou em coisas que poderia fazer. Um sofá ao canto, uma TV, um frigobar pra gelar a cerva e um pequeno fogão pra fazer um café. Era tudo que tinha e era tudo eu desejava. Aliás, não precisava de mais nada. Queria apenas um lugar para acomodar seus 57 quilos de vida mal vivida e desperdiçada. Sim, isso somente bastava. Não era preciso mais nada.

Acomodou-se em um canto e observou o local. Toda uma vida passou e nada restou a não ser um velho espaço sem sentido, vazio e sem vida, onde pudesse apoiar os braços e sentir a rispidez da solidão com certa decência. Afinal, perdera tudo o que pensara ter tido um dia e no momento o que via era o vazio infindo de uma alma corroída pelo descaso da vida.

Sono não tinha mais. Queria ficar acordado para apreciar o gosto amargo de seu fracasso. Nunca havia pensado que esse momento chegaria e agora que chegou, não sabe o que pensar.

Seria eu merecedor de tudo isso? Do bolor, da luz quase apagando e do eco da consciência sempre a repetir: Merda! Merda!...

Ficou quieto. Escutara com atenção ao eco, mas não deu muita atenção. Sabia que o corredor, o porão e a solidão eram passageiras. Sabia que no final venceria a batalha e entregaria o troféu a si mesmo fria e seguramente. O pior passou. Agora a guerra era consigo mesmo e essa duraria uma eternidade. De duas, uma: ou aceitaria o fracasso e talvez findasse a vida no cubículo intitulado como lar ou daria a volta por cima e conseguiria, dia após dia, mudar seu destino e reconstruir a vida. Duas opções, ambas bem peculiares, mas necessárias.

Lembrou-se de todos os momentos atravessando o corredor e adentrando em seu novo lar e amargou o desprazer da aceitação de que ali era o lugar onde deveria estar. Afinal, o que fizera não tinha como voltar atrás, o tempo não volta e agora o presente mostrou-se impiedosamente vulgar. Não poderia julgar nem reclamar, mas mesmo assim aclamava em seu íntimo o desejo indescritível de gritar.

Poria um fim nisso tudo. Daria um basta entre as paredes e o piso mal colocado sob seu calcanhar. Ficaria ali por um tempo até tudo se acalmar, mas a voz... ah essa voz não parava de atormentar: Merda! Merda!...

Sentou-se no chão, olhou para o nada, encostou a cabeça na parede e adormeceu. O sono dos justos, o sono de quem não sabe mais como sonhar!

Denilsamore
Enviado por Denilsamore em 23/01/2017
Reeditado em 23/01/2017
Código do texto: T5889990
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