Eu voltei para o meu começo...

Voltei ao lugar onde vivi a minha infância e não reconheci mais... seria fácil para outras pessoas saberem que aquelas paredes manchadas pelo tempo e o telhado torto e arqueado pelo peso da vida não existem mais... mas para mim foi uma dor sentida bem no fundo da alma... aquele espaço que morou em meu coração por décadas, aquele espaço onde era a minha casa tão humilde e tão cheia de amor, agora foi ocupado por uma arquitetura moderna, com paredes altas e coloridas formando um sobrado imponente e grandioso...

Aquelas paredes descascadas e manchadas pelo tempo vigiaram meu sono e de todos os meus irmãos pequenos e indefesos... elas nos abrigaram das noites de chuva e do sol inclemente do verão lá fora... estas paredes desgastadas, assistiram a todos os nossos dias tão miseráveis e a garra de leoa da minha mãe para criar todos nós e nos conduzir para a vida... aquela velha e desbotada casa era a nossa guardiã...

Agora dói tanto saber que a derrubaram e jogaram fora os escombros daquela casa tão sofrida e tão cheia de amor que protegeu por tanto tempo uma família imensa que se amava... lembrei do abacateiro no quintal, onde da rua eu não consegui enxergá lo mais... acho que o cortaram sem nenhuma dó daquele pé de abacate tão majestoso onde eu e meus irmãos subimos tantas vezes em nossas brincadeiras de criança em meio as peraltices...

Doeu muito lembrar daquelas janelas de madeira já apodrecidas e com alguns vidros quebrados, mas que nos dava a segurança de um lar... doeu muito lembrar daquele muro baixo e tão solitário prestes a desmoronar... Agora sinto o quanto aquela humilde casa foi ficando debilitada e sem vida depois que a deixamos...

Lembro do telhado, que com os ventos da madrugada tilintavam como canção de ninar embalando nossos sonhos... penso que quando partimos eles ficaram chorando e gemendo sem a nossa presença... tudo ali sentiu a nossa falta...

Finjo ser natural com tudo o que vejo agora... as mudanças da rua e o lugar onde foi minha casa estar sendo ocupado por outros tijolos, outras vidas... finjo que era apenas uma casa com Natais, bolinhos de chuva, água de poço e a máquina de costura da minha mãe rangendo em noites intermináveis... finjo que meu coração não está sangrando, mas os rastros que deixei ali me arrastando daquele lugar foram de absoluta dor e saudade...

Walquiria
Enviado por Walquiria em 24/01/2017
Reeditado em 24/01/2017
Código do texto: T5891604
Classificação de conteúdo: seguro