O mundo

Uma idosa entrou no ônibus pela porta da frente, com duas bolsas grandes de nylon, provavelmente cheias de muamba, com certeza vai se sentar nos bancos da frente, naqueles preferenciais com aquela capinha amarela ridícula, mas, ela não se senta em nenhum dos bancos de capinha amarela ridícula, ela vem direto para o cobrador, puxa a sua bolsa a tira colo, pega seu bilhete para pagar a passagem e vem em direção aos bancos de trás, que é onde eu estou e eu apenas, fito-a.

Ela usa roupas do tipo, sou velha, mas, quero ser jovem, algo bem medíocre na minha humilde opinião, camiseta rosa com estampas de flores ou corações, calça jeans, tipo skinny* e um all star de camelô, não estou julgando o fato de ser de um vendedor ambulante, o meu também é; mas não é isso que importa, pois agora, ela é quem me olha, andando em minha direção, até porque, estou nos últimos bancos do coletivo e os bancos a minha direita, estão livres, fenômeno raro, neste caso, dado ao horário, às duas da tarde ainda se pode sentar. A velha não me pede licença, nem ao menos, faz algum aceno com a cabeça, apenas joga as sacolas na frente, forçando a passagem, um verdadeiro convite, para que eu lhe ceder passagem e em estado de convite, me sinto no direito de não aceitar e ficar imóvel no caminho, mas, não irei fazer isso, muito pelo contrário, apenas, faço o bendito aceno com a cabeça, acompanhado de um leve sorriso amarelo.

Eu poderia acreditar que uma pessoa de mais idade, deveria ser um tanto mais educada, claro que a princípio, eu me deixo guiar pelo estereótipo de pessoas idosas, sempre com aquela elegância e educação vindas ao longo do tempo, tempos mais simples, cordiais e com mais cordura, pelo menos, era o que eu achava, no meu ponto de vista, a cena correta seria ela me dando qualquer esporro, por qualquer coisa que eu tivesse dito meu pensamento seguinte, se baseou na aparente avançada idade, porque convenhamos, pessoas mal-educadas não vivem muitos anos, tentar dialogar com quem não esboça nenhuma inclinação ao diálogo, é uma das coisas mais irritantes do mundo, o que torna quase impossível imaginar, que uma pessoa assim, não tenha levado ao menos um soco em toda sua vida, um soco, um tapa, ou até mesmo alguma coisa mais letal, como uma facada ou um tiro, nesse mundo de hoje, nunca se sabe, de repente... Boom.

Lógico que tudo isso é subsequente desta primeira ideia, agora, considerando a simples situação d'eu não ceder à passagem, ficar imóvel, fazer de conta que não estava vendo-a, seria eu o mal-educado, eu seria o errado da situação e mesmo a velha, me falaria um monte de asneiras e mais, exigiria educação de minha parte, que cômico, que irônico, a mulher exigindo de mim, o que nem ela possui, mais uma página na velha lenda da hipocrisia. Não me exaltaria, ficaria pasmo, por uns dez ou quinze segundos e depois, daria uma risada farta e cheia de dentes a mostra. Pelos céus, de quem seria a culpa, afinal?

Vivemos em um mundo hipócrita, aliás, um mundo de pessoas hipócritas. Que culpa tem o mundo? Ele apenas desenvolveu uma atmosfera e um ambiente, propícios para a geração de vida, que ao menos, em seu início, pôde ser creditado algum tipo de esperança, no que seria sua criação suprema, a raça humana, tolice cuspir na superfície da terra, culpando ela, pelos ditos erros, no qual nos tornamos, somos tão instáveis e de natureza imprevisível, o tão bem dito, livre arbítrio, que por sua vez, impeça que se faça, qualquer previsão exata sobre nós mesmos, eles dirão que eu irei atravessar a rua, mas e se eu não o fizer? Claramente isso é uma pergunta retórica, a resposta é tanto óbvia, quanto de pouca importância.

Bem, moral dessa jornada, é que não há moral, apenas uma demonstração da cara do mundo, aliás, perdão pelo equívoco, da cara das pessoas, que não fazem muito além de se importar com elas mesmas e criticar a vida dos outros, nada de mais.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 01/02/2017
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T5899866
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