Triângulo equilátero amoroso

A amiga

"Aquele sujeito não tira os olhos de você", segredou-lhe na primeira semana. Na semana seguinte, sem esconder certa perturbação, disse-lhe: "Você não tira os olhos desse sujeito".

Na praça

"Os negros devem ser pontuais por questão de sobrevivência. Se um negro não for pontual, poderá ser confundido com um bandido e levar um tiro ou ser preso enquanto corre para recuperar o atraso. O problema é que quase sempre são os brancos que escolhem os horários; essa é a principal razão dos negros estarem sempre atrasados".

Ela deu um sorriso terno.

"Você é engraçado", disse a ele, apertando-lhe as mãos.

"Isso não é engraçado".

"Adorei me encontrar com você", ela concluiu.

"Eu também adorei me encontrar com você", ele concordou.

No dia anterior

Estavam agora na escada. O vestido de seda preto farfalhava à sua frente. A silhueta esbelta visível devido ao brilho travesso do sol através do tecido transparente.

Ao findar daquele dia

Conversavam e riam e a proximidade física entre eles era tão grande que ele parecia quase enfiar o rosto em seus seios.

Na semana seguinte

"Safado! Está tentando me comer?", Helena perguntou ao antigo zelador do condomínio onde morava. Edmundo a abraçara por trás depois de uma aproximação lenta e silenciosa, esticando os longos dedos das mãos para aconchegar os seios ao mesmo tempo em que prensava a cintura na grande bunda branca da polonesa. Beijou-a no cangote, perto da orelha esquerda, o seu ouvido sensível. Soprou nele e ela estremeceu, uma reação que não passaria despercebida pelo rapaz atento aos sinais mais discretos de fraqueza e que julgava serem universais. Convencido de que poderia ir mais longe, abraçou-a com um pouco mais de força, sufocando-a, beijando-a. Desorientada, Helena não reagiu; deixou por conta do silêncio, do momento e da consciência do rapaz. "É ele quem faz, não eu", pensou. Sob os dedos de Edmundo, o coração frágil parecia saltitar, como seus pés faziam nas aulas de sapateado nas terças e quintas.

Por três anos imaginou-se sentada em seu colo, como uma perfeita amazona cavalgando o seu Puro-sangue inglês versão tupiniquim; com os seios ardentes, a vagina chamuscada por uma chama do inferno. Ou mesmo embaixo, pois não fazia questão de por onde começar ou terminar: com a face afundada no colchão, imobilizada pelo seu corpo imenso de homem, revirando-se depois de deixá-lo arrastá-la facilmente pelas pernas, como uma boneca de criança. Por certo, em algum momento ele afastaria os seus joelhos e tocaria a língua úmida em sua boceta, que se abriria como uma rosa pulsante em meio ao jardim oculto chamado Teu Corpo. Agora, passados cinco dias do último contato, pesava-lhe sobre os ombros o dever de pecar, de consumar o desejo caduco e enfim gozar da possibilidade que a vida inesperadamente lhe restituíra.

Como era difícil decidir-se!

Achou que fosse desmaiar, mas firmou as pernas e manteve o corpo ereto o máximo que pôde. Emundo venerava as suas carnes como se fossem as carnes de um deus.

"Eu adoraria te foder por três dias inteiros, sem parar um minuto", disse ele, que não mais se mostrava tão discreto quanto outrora.

Ela o compreendia perfeitamente. Seus olhos eram confidentes de longa data, desde o primeiro momento comunicavam segredos como se o fizessem a uma padre. Ela voltou-se e beijou-o. Disse num suspiro sofrido:

"Ninguém irá chegar, eu garanto!".

Referia-se sobretudo ao marido, Márcio, mas não citou o nome por questão de respeito, como se ambos os amantes tivessem sido transportados para um mundo paralelo, onde apenas eles existissem. Perguntava-se em seu coração: "Que pecado há em uma mulher que fora fiel e irrepreensível por tantos anos querer ser feliz por um dia?" Quantas vezes Márcio não havia sido "feliz" sem ela e sem o seu devido consentimento enquanto ela, a pobre e jovem Helena, em agonia, censurava o próprio pensamento? Não lhe pagava o mal que fizera, mas equilibrava a balança.

Olharam-se e ela enrubesceu. Com as narinas dilatadas, sugeriu:

"Se quer me foder, me foda com força, para eu não me arrepender depois".

Ele riu-se e beijou-a. Ela baixava as mãos e lhe retirava o cinto.

Três dias depois, ao telefone

- Oi.

- Oi.

- Como anda a sua consciência?

- Eu estou... feliz. E você?

- Eu também.

- Mas eu não deveria estar. E infelizmente estou muito, muito feliz.

- Sim. Infelizmente não é possível ficar triste por estar feliz.

- Sou uma psicopata.

- Minha mão tem dupla personalidade. As vezes pensa que é uma mão, as vezes pensa que é uma vagina; a sua vagina.

- Você é meu deus e eu lhe devo favores sexuais; favores sexuais que terei muito prazer em pagar, com juros abusivos.

Novamente a amiga

"Sua roupa está toda amassada!" , exclamou Ana, com quem fazia as aulas de sapateado, durante uma visita. "Advinha quem amassou!", Helena sugeriu com empolgação. E, sem sombra de arrependimento, acrescentaria mais tarde: "Se hoje você pede autorização ao seu marido para chupar o pau de outro homem, amanhã precisará de autorização para chupar sorvete."

Após ler uma revista, Ana tirou os óculos, espremeu os olhos e recolheu os pés de cima do sofá. Respirou fundo e tentou reorganizar os pensamentos:

"Certa vez conheci um sujeito que tinha um ciúme doentio da namorada. Ninguém verdadeiramente sensato se aproximava dela nem mesmo para apertar-lhe a mão. O problema se deu quando apareceu um gringo com uma paixão doentia por ela que, por sua vez, tinha uma fixação doentia por homens estrangeiros. Conclusão: o namorado descobriu tudo, matou os dois e deu um tiro na própria cabeça. Ciúme doentio, paixão doentia, fixação doentia... Percebeu o histórico? Ligue a TV. Por que há tantas tragédias e tantas pessoas doentes hoje em dia?"

"Quer dizer que ele nutre uma paixão doentia por mim?"

"Por que não? Parece-lhe possível? O que acha?"

Helena correu o dedo indicador pela sobrancelha. Não sabia o que responder.

"Que tragédia sermos como Romeu e Julieta. Mas é tão romântico!"

Os garotos do bairro

Flagraram os dois amantes andando discretamente pelas ruas, próximos à ponte.

"As mulheres passaram a usar minissaias e shorts na modernidade, o que define a bunda como uma arte moderna ambulante".

"O marido dela é um corno, mas não sabe que os passarinhos lhe fazem ninhos na cabeça".

"Este ai é sortudo, mas não sabe que vez ou outra os homens casados também precisam pentear os cabelos".

"Será que ele já comeu o cu dela? Cara, eu gozaria em dois minutos!"

Gabriel coçou a cabeça e, não querendo reconhecer a ignorância sobre o caso, disse: "Ao contrário do que se dá no homem, todos os orifícios da mulher são interligados. Primeiro você deve agradar o ouvido para chegar à boca, depois agrada a boceta e escorrega para o cu. É como fazer baldeação. Como eu disse certa vez, jamais peçam para uma garota chupar o pau de vocês antes de convencê-la a fumar os seus cigarros".

"E a nova vida como babá, Rose?"

"Cuidar de criança é como cuidar de adultos suicidas. A cada cinco minutos, você precisa impedi-la de dar fim a própria vida".

"Hoje em dia os pais não precisam mais ter aquela 'conversa constrangedora' com os filhos. Basta pedir para entrarem no Google com a palavra 'sexo' e torcer para não caírem em um site evangélico".

"Tem uma bala? Obrigada. Sai correndo de casa. Homens veneram bundas que peidam e cagam, mas não perdoam uma boca com hálito de cebola. Mesmo lábios vermelhos como maçãs".

"Você é bonita, mas não chega nem aos pés dela".

"Eu não preciso chegar aos pés dela, não, querido. Não sou engraxate".

"Além do mais, ela é refinada, elegante. Não deve ter mau gosto musical, como você, que gosta de funk".

"Funk é putaria coletivizada, não é a qualidade do som. Nem sempre o cara que você leva para casa e que fica contando vantagens no seu ouvido enquanto vocês trepam tem a voz do Jim Morrison".

"Seu eu tivesse dezessete anos! Poderia fingir ter vinte e três! Ainda não seria bom o bastante, mas ao menos poderia olhar para ela como um homem feito e, quem sabe, tentar trocar algumas palavras".

"Quais palavras?"

"Como está uma tarde linda, não acha, senhorita?"

"E se estivesse chovendo, ela diria: 'tarde linda? Está caindo o mundo!'"

"Certamente eu diria outra coisa se estivesse chovendo!"

"O quê? 'Como está uma chuva linda, não acha, senhorita?'"

Leonardo irritou-se. Pensou em dar uns bons cascudos no pequeno, mas acabou sendo interrompido.

"Ela vai atravessar a ponte!"

Dado o aviso, todos os garotos abandonaram as bolinhas de gude e se puseram a correr em direção à velha construção. Rose fora a única a não arredar o pé do campinho.

Leonardo se agachara num canto, olhando para cima, por entre as frestas. Uma nuvem ameaçava cobrir o sol.

"Que rabo gostoso da porra!", pensou, lembrando-se das milhares de vezes que olhava para cima a procura de migalhas visuais, uma aparição breve e repentina de sua calcinha. "Certamente branca", ele dizia. Mas eram vermelhas nas duas vezes que pôde ver mais claramente.

"Amarela!"

"Estou cansada de foda cronometrada. Pode me chupar toda hoje, se quiser. Meu marido ficará uma semana fora".

"Se quero? Claro que quero! Exijo! Mulheres negras são ótimas amantes. Você pode bater na bunda delas e continua preta. O marido nem desconfia. É impossível dar uma chupada numa branca sem deixar a marca. Case com uma mulher branca e a traia com negras".

Edmundo beijava-a suavemente nas costas e ia descendo aos poucos, como dedos experimentando as cordas do violão, o corpo violão de Helena. Beijou-lhe a bunda por um minuto e desceu para as pernas. Mordiscava-as.

"Você me corrompeu", ela disse.

"Não tenho culpa se naquela tarde você estava irresistivelmente vestida para o abate e tinha uma torneira quebrada em perfeito estado".

"Parece que em vez de você mexer na minha torneira, eu que mexi na sua".

Riram-se e beijaram-se.

"Seu amor é o meu remédio. Que importa que seu marido não saiba que me cura?".

Depois que ele gozou, ela repousou a cabeça em sua virilha e perguntou:

"O que é um pênis ejaculando se não um vulcão em erupção?"

Ele curvou-se, afundando a cabeça abaixo do umbigo da moça.

Na saída da igreja

O sol latejava nas têmporas e a paisagem diante de si ondulava. Removeu os óculos escuros para secar a testa com um lenço, mas logo os repôs. Deixou um carro passar. Bebia um pouco da água de uma garrafa que trazia na bolsa. Sentiu que uma sombrinha se abria ao seu lado, sobre uma cabeça oval e grisalha.

"O pecado que está a fazer contra o seu marido é muito grave, senhorita Helena; não acha?", disse-lhe de repente a senhora Magda, uma antiga frequentadora da igreja.

A jovem parou.

Encararam-se.

"A senhora fala de algum pecado sexual?"

"Sexo é maravilhoso quando está dentro dos planos de Deus", a velha respondeu de maneira didática. Então esboçou um sorriso que não lhe caiu bem.

Helena enrubesceu, sentindo-se uma versão feminina de Raskólnikov.

"Foi o que pensei, vindo da senhora... De qualquer modo, é provável que ultimamente eu e meu marido tenhamos feito tanto sexo quanto a senhora e o seu esposo, o senhor Orlando", disse, procurando o velho, em pé, seis metros atrás. E acrescentou: "Lembra-se da última vez que fizeram sexo? Devem aproveitar para fazê-lo aqui, na Terra, pois no céu todos seremos 'semelhantes aos anjos'".

Tinha um sorriso carregado de cinismo durante todo o tempo, mas revelando certo nervosismo.

A senhora Magda pigarreou e, apesar de apoiar-se numa bengala, manteve a pose de maneira muito digna.

"Eu não me referi aos pecados que a senhorita tem cometido 'com o seu marido' e sim 'contra o seu marido'. A igreja, ou seja, os servos de Deus, seguindo a orientação bíblica, não costuma intervir nos casos de primeira natureza, pois são intimidade do casal e compete a eles e a Deus...".

"Compreendo, senhora Magda, e agradeço", interrompeu Helena, com mais naturalidade, porém impaciente. "De fato seria muito embaraçoso se durante a noite a senhora aparecesse em nossa cama dizendo o que pode e o que não pode ser feito entre quatro paredes".

Surpresa com a resposta, a religiosa escancarou os olhos, mas tentou retomar a calma inicial. Disse:

"Refiro-me aquele rapaz com quem a senhorita tem se encontrado regularmente".

"Qual rapaz? Goste-se ou não, o mundo está repleto de exemplares desse espécime".

"Um rapaz moreno, alto... Deve ter mais ou menos a sua idade".

"Entendo. Mas que mal há em encontrar um amigo?"

"A senhorita beija a boca dos seus amigos com muita frequência?"

Helena pretendia falar, mas calou-se. Seu rosto estava pálido. A boca semiaberta.

"Estou com dor de cabeça!"

"Tive um sonho..."

"Um sonho?"

A anciã assentiu.

"Nele a senhorita estava nua e acorrentada e era arrastada pelos demônios... para o inferno! Gritava e ninguém podia ouvi-la, chorava e ninguém a podia consolar...".

A jovem teve a impressão de que aqueles olhos grandes e intrometidos podiam ler a sua alma. Estremeceu.

Será que podiam mesmo?

"'Pois nada há de oculto que não venha a ser revelado, e nada em segredo que não seja trazido à luz do dia'. A senhorita já olhou para o céu e viu uma estrela pela metade? Já olhou para uma laranjeira e viu uma laranja pela metade? Já viu um cachorro ou um gato pela metade? Passeando! Pois bem, minha filha, Deus não faz as coisas pela metade. Se Deus não existisse, sempre faltaria a metade das coisas!".

Não, não podiam. Era apenas uma louca.

Helena sorriu com falsa simpatia e beijou-lhe as mãos, mas em seus pensamentos falava do prazer que sentiria se a anciã tivesse apenas metade do tempo de vida que tinha ou metade da vontade de falar.

Contudo, foi implacavelmente franca.

"Não devo satisfação ao meu marido dos bombons que escondo no fundo das gavetas, da minha religião, do candidato em que voto, da roupa que uso nas ruas, das amigas que tenho ou dos meus casos amorosos fora de casa. Nem à minha mãe ou ao meu pai devo qualquer satisfação. Muito menos à senhora, pessoa de quem por sinal meu marido pouco gosta. Pode acreditar que ele a acha uma tremenda de uma fofoqueira? Por que será? Não faço ideia! E dos dízimos que eu dava à igreja? Sabe o que ele acha dos pastores? Certa vez ele disse que os pastores guiam as ovelhas até os sofismas que escorrem de suas bocas e, em seguida, as devoram. Devo lembrá-la de que, apesar de casada, continuo sendo um individuo e quem se une a outra pessoa tem a plena compreensão de que ela pode mudar de opinião, apaixonar-se por outra, querer separar-se ou ter um romance fora do casamento, temporário ou duradouro. Pedir permissão para tudo o que se faz é infantil, é autoritário. Acha Deus autoritário, senhora Magda?"

A religiosa sobressaltou-se e, com os olhos arregalados, afastou-se com um andar agitado. De repente se voltou para trás, erguendo a bengala até onde lhe era possível, e exclamou:

"Assim como Lúcifer, a senhorita blasfemou contra o Espírito Santo!".

"O que pensa sobre Deus? Acha que é um amigo imaginário?"

"Não diria que Deus é um amigo imaginário, pois ele não me parece tão amigável assim. Pelo contrário, poderia até ser um inimigo imaginário, como fora para mim durante muitos anos da minha vida cristã. Contudo, não há algo que não se pode contestar: as pessoas são péssimas em fazer amizades e o mesmo vale para as amizades inventadas".

Prosseguiu após uma breve pausa:

"Os cristãos devem ser moderados. Moderadamente honestos, moderadamente misericordiosos, moderadamente críticos, moderadamente inteligentes, moderadamente simpáticos, moderadamente virtuosos. Se cederem à tentação de ultrapassar a barreira da moderação, deixarão de ser cristãos no mesmo instante".

"'Pois nada há de oculto que não venha a ser revelado, e nada em segredo que não seja trazido à luz do dia', ela disse. De fato tudo o que está oculto será revelado? Inclusive a minha calcinha? Deus irá revelá-la depois de levantar a minha saia com o vento ou a levantará com as próprias mãos no Juízo final?"

"Cristão é quem acha que Jesus realmente devia ser crucificado, como foi. Eu não acredito que Jesus devia ser crucificado; por isso não sou cristão".

"A diferença fundamental entre um nazista e um cristão comum é que o nazista usa a sua crença em Deus para justificar o presente enquanto o cristão comum a usa para justificar o futuro utópico, pois projetou a tortura para depois do juízo final. Não preciso fazer nenhuma analogia detalhada entre as câmaras de tortura e os círculos do inferno, preciso?"

"Deus é o mais incompetente dos apologistas. Se é tão grande, como o seu poder de convencimento é menor do que a minha teimosia?".

Embora fosse tímido e reservado, Edmundo abria-se facilmente com os amigos e pessoas mais chegadas. Falava palavrões não por gosto, mas por necessidade. Achava que não se podia levar a sério um homem que se recusasse a falar palavrões. Helena, por sua vez, o chamava de filho da puta enquanto trepavam, mas jamais falava palavrões fora da cama.

"Primeiro você disse que os homens vivem baixando a cabeça para mulheres bonitas, logo depois defendeu que os homens não baixam a cabeça para mulheres bonitas. Isso é uma contradição. Como me explica isso?".

"O homem possui duas cabeças".

"O pênis é um cachorrinho que a senhora vagina volta e meia precisa levar para passear".

"Ou um gato que não se decide em qual casa quer morar".

"A cueca azul, a sunga vermelha...".

"A xoxota de Mariana, a boca de Vanessa, as mãos de Paula, o cu de Luciana...".

"A xoxota, a boca, as mãos e o cu de Helena".

"A mente pervertida da tia do supermercado".

Helena gostava de saias rodadas e de vestidos floridos com um laço marcando a cintura. Edmundo, por sua vez, adorava desvesti-la, e mais parecia um garoto desembrulhando um presente que acabara de ganhar.

"Viajando pelo interior acabei por entrar em um bar que, para o meu estranhamento, trazia um quadro de Jesus com chifres fixado a uma das paredes; e os cornos que frequentavam o local - eram assumidamente cornos - me disseram que aquele fora o maior dentre todos eles. Um dos sujeitos falou assim inclusive, com visível reverência, quando me referi ao fato de Jesus jamais ter se casado: Jesus foi traído pela Sua Noiva, ou seja, a Sua Igreja, a maior das traições, além se ter dito para os seus discípulos: 'aprendei de mim que sou manso e humildade de coração', o que quer dizer que foi um corno manso, como nós, o nosso Rei, o Rei dos cornos!".

"Lembro-me de que na oitava série uma garota loira se sentava na cadeira que ficava na frente da minha e de como eu era perdidamente apaixonado por ela, seu cabelo e seu sorriso. Certo dia ela se virou para mim e ficou me encarando. Os seus olhos lindos, seus dentes brancos, o sorriso sem igual e enfeitiçante. Era o meio do ano e jamais havíamos trocado alguma palavra. Temendo perder a oportunidade da vida e que alguém fizesse primeiro, perguntei-lhe: 'quer se casar comigo?' Ela arregalou os olhos, rindo-se do que eu havia dito e respondeu: 'não, mas aceito o seu apontador emprestado".

"Eric ficava impressionado com relatos de pessoas morrendo durante o ato sexual e sua obsessão era tamanha que repudiava a masturbação. 'Morrer trepando é show de bola, mas batendo punheta é humilhante! Imagine ter um mal súbito ou levar um tiro na cabeça antes de conseguir limpar a porra dos joelhos e não estar ali para explicar...'"

"É horrível levar fora de gêmeos. É como se você estivesse levando dois foras da mesma pessoa".

"A senhorita é arquiteta?"

"Não, porquê?".

"Sabe erguer ... que é uma beleza".

"Sua língua cura coceira?".

"Não, por quê?".

"Estou com coceirinha na periquita".

"Mas conheço um talco que é tiro e queda, madame!".

Ela riu-se, então lhe atingiu a cara com um travesseiro.

"Preto fodido!".

"Seus seios estão caidinhos. Seus olhos, suas orelhas, seus pernas, seus braços, sua cabeça também. Na verdade, você toda está caidinha por mim".

"Visto a fantasia erótica que você quiser, menos onça".

"Por quê?".

"Não se cutuca a onça com vara curta!".

"Só abrirei as pernas quando me disser a palavra mágica".

"Por favor; com licença; abra-te, Sésamo; abracadabra".

Negava com a cabeça.

"Sexo oral?"

Riu-se.

"Acertei?".

Afastou os joelhos, franzindo a testa.

"Como pode errar com uma oferta dessa?".

"Antes de desenvolver a equação E=MC², Einstein já usava uma equação muito mais famosa: bunda+peito-rosto. Contudo, a mais bela de todas elas era e continua sendo: bunda+peito+rosto+inteligência".

"Peito? Pensei que só gostasse de bunda".

"Tenho grande apreciação por seios desde a minha mais tenra infância. Gostaria que não criticasse uma de minhas principais e mais coerentes convicções".

"Amiga, eu preciso que você quebre uma árvore para mim".

"Acalme-se. Tem a ver com o Ed, certo?".

"Exatamente. Preciso que você pegue o Ma".

"De carro?".

"Pode ser no carro, sim".

"Estou no trabalho agora. Onde ele está?".

Helena gargalhou.

"Não falei 'pegar' com esse sentido. Deixe-me ser mais clara. Eu preciso que você vá para a cama com ele. Por favor, por favor, por favor".

A colega emudeceu.

"O quê?".

"Isso mesmo. Preciso que vá para a cama com o Márcio".

Novo silêncio.

"Você é retardada, é? Quer que eu transe com o seu marido? Desculpe, senhora, estava falando com a minha amiga".

"O que tem? Não o acha atraente?".

"Helena, acho essa sua ideia nada atraente!".

"Aproveite, boba..."

"Por que quer que eu faça isso?".

"Tenho que ter algo para jogar na cara dele se ele descobrir o meu caso com o Edmundo".

"Só para depois dizer que o traiu por vingança?".

"Isso, isso!".

A garota desligou o telefone e rejeitaria as três ligações seguintes de Helena, que, por sua vez, ainda faria a quarta ligação durante a madrugada.

"Por favor, por favor, por favor...".

"Nãão, Helena. Esqueça! Eu não vou trepar com o seu marido. Eu tenho namorado, se lembra?".

"É engraçado como uma pessoa pode revelar-se extremamente burra apesar de esconder o cérebro dentro de toda uma estrutura óssea".

"As pessoas apelam para a existência de Deus se baseando na complexidade do universo, sobretudo na suposta afinidade envolvendo as leis da física, contudo, a vida poderia ser extremamente simples. As pessoas simplesmente poderiam viver, sem a necessidade do sol, do oxigênio, da água, de alimento; urinar, defecar, etc. Se Deus fosse tão inteligente, simplificaria tudo. É o que as pessoas inteligentes fazem. Qual a necessidade de um sistema excretor? Insetos chatos? Cadeia alimentar? Câncer de pele? Assemelha-se tudo isso a uma tecnologia burra!".

"Deus fez o meu sexo se encaixando perfeitamente ao seu. Como pode ser pecado?".

"Você não disse que precisava de Deus?"

"Eu preciso de um Deus que não existe e não de uma religião que existe".

"Qual foi a maior loucura que você já fez na vida por dinheiro?".

"Trabalhar".

"Trabalhar não enriquece. Filosofar enriquece. Isso não é nenhuma novidade. Há também a diferença entre a boa e a má filosofia e entre o emprego e o trabalho. Só é um emprego quando você manda em alguém ou quando alguém manda em você. É impossível ser um autêntico anarquista nesse caso. Não por acaso os sofistas foram talvez os primeiros capitalistas, aqueles que vendiam ideias nas quais não acreditavam. Um liberal só se preocupa com a liberdade dos próprios dedos, pouco se importa com a criatura palpitante que esmaga com as mãos".

Plano para enriquecer n°1

"Eu moro em um barraco e só tenho uma bicicleta, mas conheço muitas pessoas que usam carro com frequência. Pensando um pouco, talvez quase todas as pessoas nessa cidade, nesse estado, nesse país usem carros. Carros poluem, bicicletas não poluem. Parece-me portanto que se eu quiser, posso processar as pessoas que poluem o ar com os seus carros. Parece-me também justo que eu possa cobrar pelo menos dez Reais de cada uma delas como uma indenização ou como uma pequena tarifa, já que o ar impuro que sou obrigado a respirar em benefício delas, entre outras coisas, afeta a minha saúde, algo que para mim possui um valor incalculável. Por fim, depois de cobrar dez Reais de cada uma terei uma quantia considerável. O que pretendo fazer com essa quantia? Comprar um carro e uma casa no lado rico do Rio. Se eu for tarifado ou receber um processo de outro ciclista, como terei feito antes disso, eis que perderei apenas Dez Reais. Ainda é um baita lucro!

Plano para enriquecer n°2

"As pessoas possuem direitos sobre o próprio corpo. É difícil definir os limites do corpo. Portanto, também é difícil definir os limites dos direitos relacionados ao corpo. A perna robótica de um deficiente físico é parte do seu corpo? Achamos que sim, ainda que seja artificial. Reflitamos. O corpo da mãe de repente se transforma no corpo do filho e ela, progressivamente, vai perdendo o direito sobre ele. Então, num dado momento, não mais poderá abortá-lo, como se fosse seu corpo, e não mais poderá dizer: 'meu corpo, minhas regras' Do mesmo modo, penso eu, depois de um tempo o trabalhador e os meios de produção se fundem com vigor, a ponto de confundirem-se e tornarem-se uma única coisa. Quebrando o silêncio, de súbito grita uma costureira no meio da fabrica: 'eis que esta máquina de costura se tornou uma extensão do meu corpo!' E, de fato, passados muitos anos naquele lugar, sentada, inclinada, quieta, a máquina de costura se torna parte dela. Não só a velha máquina, como também a tesoura, o tecido, os botões, a linha, as paredes, etc. etc.".

"Márcio voltará amanhã".

"Falemos disso amanhã".

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