O Sonho do Sonho

Despertei de um sonho...

Sonhei que acordava:

Uma Sede desconhecida batia à porta do meu "Ser" (Mendigando). Mantinha a face coberta e, carregava em seu alforje todo o peso dos séculos :passados e vindouros;

Ela tinha fome...

Clamava por lábios sedentos...

Tomado por uma profunda compaixão, sem cerimônia entreguei o encarnado fruto, o meu maior pecado, como tributo:

Loucura! Insanidade!

Sem demora, a mística figura lançou-os em seu roto e pesado bornal, ao mesmo que, retirava dali uma alva folha...

Sorrindo, entregou-me e partiu. Notei que havia uma fenda em sua bagagem e que , conforme ela se distanciava , páginas e mais páginas em branco formavam uma convidativa estrada.

Em meu silêncio eu clamava por sua volta: Sede! Sede! : Vede! Vede! ( O caminho que deixais)...

Uma vereda... Um convite sem umbrais.

Com os olhos em flamas, cobri parte da minha face mortificada com aquela folha pura e lancei-me naquela via ...

O silêncio do trajeto era perturbador, o único indicativo de tempo que eu tinha eram as batidas do meu coração, no entanto, havia momentos que nem minha respiração eu ouvia, mas, nas profundezas do meu âmago um solilóquio ocorria:

—No meio do meu caminho havia um espelho, no meio do espelho havia um caminho...

—Não quero ficar ileso diante da vida... Redoma, coma, não combina comigo!

—Eu quero é pejos , é a partir deles que degustamos os mais eloquentes beijos!

—Beijos?

— Vede? Vede? Meus lábios foram levados pela Sede...

Despertando do sonho do sonho...

Sonhei que despertava:

Um ancião sem lábios balbuciava a divagar:

—Nostalgia!

—Nostalgia!

—Quem disse que é preciso de lábios para beijar?

—Os melhores beijos são impressos pelo olhar.

Eis que a figura do sábio senhor , rapidamente se dissipara , a medida que das entranhas dos sonhos eu era arrancado , o momento de renascer para o campo da realidade chegara, enfim amanhecera...

Ainda com a alma presa no onírico , e com os olhos semicerrados , tateava lentamente o criado -mudo , senti algo novo ( ou não), liguei o abajur para visualizar melhor , era um bilhete (infelizmente não era uma página em branco) :

Amor,

A hora que despertar, já estarei na estrada, não quis lhe acordar.

Retornarei em uma semana , deseje-me sorte!

Espero fechar mais um negócio,

Beijo!

Ass. Plácido

Enquanto meus olhos percorriam a palavra “beijo” os versos do “ermitão” do sonho pareciam pulsar em mim : “ Os melhores beijos são impressos pelo olhar”...

—Que olhar? (Há muito que nossos olhares não se encontravam)

Tentava sem sucesso, buscar vestígios daqueles olhos nas entrelinhas do bilhete...

—Que vazio!

—Sem lábios e sem olhar...

Abrindo a gaveta do criado , lancei o "lembrete" junto a tantos outros (quantos “beijos” desperdiçados em papéis). Apaguei a luz e recostei-me novamente , com o dedo indicador percorri os meus lábios; nada sentia... Nada sentia...

Adormeci novamente e sonhei que “acordava”...

Doni Barrett
Enviado por Doni Barrett em 03/03/2017
Código do texto: T5928953
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.